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terça-feira, 21 de julho de 2015

Edição 175 – Junho 2015
Opinião
Para "quem" tanta pressa?


Caro leitor, a frase anterior não está grafada incorretamente. A pergunta não é para "que", mas para "quem" a pressa em mudar a sociedade brasileira pode trazer ganhos. Dizer que todos têm pressa no século XXI virou lugar comum. Vocês conhecem alguém que, ainda ativo no mercado de trabalho, não tem pressa?! Mas hoje a pressa parece ter chegado a outro lugar no imaginário dos brasileiros: a pressa de tudo mudar, para limpar o país, moralizar a política, educar a sociedade, proteger o meio ambiente etc etc. Uma vez, o sociólogo Herbert de Souza, o saudoso Betinho, criador da campanha contra a Fome e da excepcional ONG IBASE, disse que “quem tem fome tem pressa”.
Porém, bem diferente da época em que Betinho e outros tantos pelejavam para mudar um Brasil marcado pela ditadura, silêncio, medo e uma desigualdade ainda maior do que a de hoje, a pressa atualmente chegou também à mente e ao coração de gente que defende coisas que não combinam com a democracia e a cidadania. Coisas como tirar o PT do poder custe o que custar, coibir os LGBT’s na sua conquista de espaço, acabar com a insegurança pública encarcerando gente cada vez mais cedo, evitar que índios reconquistem as suas terras etc etc. Tanta pressa assim, para tanta coisa ao mesmo tempo, merece nossa atenção e cuidado.
Hoje, podemos encontrar pelo mundo afora milhares de ações junto a comunidades em busca de mudanças sociais e ambientais que tanto necessitamos. Muitas dessas iniciativas ganham grande espaço na mídia, políticas públicas, discurso das grandes empresas e também no imaginário de muitas pessoas em todo o mundo. Muitas das promessas de resolução de nossos problemas sociais e ambientais que tais perspectivas de agir comunitário trazem se deparam com uma realidade extremamente complexa, exigindo que se compreenda em maior profundidade seus impactos na forma como os indivíduos que visam fazer o bem atuam em sociedade.
O agir em prol da comunidade, não raras as vezes, é associado pelo senso comum à ideia de altruísmo, solidariedade, fraternidade e abnegação. No Brasil, atividades comunitárias historicamente associadas a posturas assistencialistas se somam a outros fenômenos típicos da trajetória política do país, como o clientelismo, paternalismo e personalismo. Esses “modos de navegação social” brasileiros trazem importantes constrangimentos ao impacto do trabalho em comunidades, encobrindo-se sob o manto da solidariedade e assumindo novas roupagens mais perversas do que as iniciais.
A atividade em prol das comunidades na vida contemporânea encontra muitos impasses também diante da crescente onda de “despolitização”. Os intensos debates partidários dos que odeiam e são contra X e dos que amam e defendem com muita gana Y não representam politização, mas sim partidarismo disfarçado de interesse pelo país e o bem público.
O paradoxo que causa espanto aos desavisados é que muitos daqueles que defendem a moralidade pública, o respeito ao meio ambiente, a dignidade da pessoa humana e a valorização das comunidades também são e estão cada vez mais raivosos contra quem tem ideologia política oposta à sua, quem tem orientação sexual diferente, quem comete crimes considerados graves, quem pertence a ou defende comunidades isoladas como as indígenas, quem recebe auxílio do governo para sobreviver, e por aí vai. Trata-se de uma solidariedade seletiva, lembrando outra máxima da cultura pública brasileira, sinônimo de nossa perversidade como povo e nação: “aos amigos, tudo; aos inimigos, a lei!”.
Ao mesmo tempo em que o trabalho comunitário é celebrado como um resgate dos valores, tradições e cultura, vários dilemas se configuram quando se pensa na reorientação efetiva de como a sociedade brasileira funciona. Trabalho comunitário pode representar tanto a possibilidade de “empoderar” e emancipar comunidades, quanto de conferir “aos ricos as políticas, aos pobres o mutirão” como nos lembra outro importante sociólogo, Renato Boschi, ao discutir a participação popular no país.
O desvirtuamento do conceito de trabalho comunitário também encontra eco na ideia de que existem alguns que são melhores do que outros para fazerem as mudanças sociais acontecerem. Seriam as lideranças sociais ou os empreendedores sociais, capazes de inspirar pessoas, mobilizar recursos financeiros e mudar as estruturas sociais. Isso faz lembrar a solução que os comunistas soviéticos encontraram para governar o país, logo após a queda do Czar, a mobilização da “inteligentzia” ou da “elite” para comandar as massas rudes e desorganizadas em direção ao progresso moral, social e material. O protagonismo de determinadas lideranças culturais, políticas e comunitárias em nossa querida Brumadinho, muitas vezes, nos faz lembrar os ecos do comunismo soviético.
Longe de querer desqualificar as iniciativas autênticas de trabalho comunitário, o importante é aprofundar a discussão, rompendo unanimidades que pouco contribuem para se entender porque no mundo moderno tudo muda para permanecer igual. É preciso parar e indagar porque nunca se teve tanta pressa para mudar tudo e porque os resultados em termos de um planeta mais sustentável e justo parecem ser cada vez mais pífios, porque os resultados em termos de um Brasil melhor para se viver parecem tão distantes.
E, então, querido leitor, qual pressa você vai ter? A dos que passam fome ou a dos que não conseguem conviver com quem pensa e age diferente em termos políticos, culturais, sociais, sexuais e econômicos? Eu fico com Wim Wenders, grande cineasta alemão que acabou de dirigir um documentário sobre a vida e obra de Sebastião Salgado, outro brasileiro compromissado com os pobres, excluídos e oprimidos: “Podemos mostrar ao mundo como é possível conviver com a diferença, sem anulá-la nem absorvê-la, sem impor valores.”

Armindo dos Santos de Sousa Teodósio (Téo)

Professor do Programa de Pós-Graduação em Administração da PUC Minas

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