Edição 177 – Agosto 2015
Opinião
Eu sou
Não-Governamental
Hoje, cabe vez mais,
os jovens se voltam para novas carreiras e novas formas de viver, trabalhar e
conviver na sociedade. Já se foi o tempo em que aqueles que queriam mudar o
mundo se decidiam por uma carreira política, ou em que aqueles que desejam
alcançar riqueza e poder visavam carreiras de longa duração em grandes empresas
privadas. Empreendedores privados, tocando pequenos negócios muito dinâmicos,
inovadores e lucrativos, e empreendedores sociais à frente de organizações
não-governamentais (ONGs) estão mostrando ao mundo que é possível construir
novas formas de trabalho e de vida em sociedade, para além do mercado privado
ou do espaço governamental. Porém, os desafios para quem decide ser
"não-governamental" são muitos.
Um dos grandes
desafios nas ONGs hoje, não só no Brasil, mas também em todo o mundo, é que as
condições de trabalho não são nada boas. As pessoas trabalham em várias frentes
de atividades e se deparam com um cotidiano que parece reforçar a ideia de que
os problemas sociais se agravam mais e mais. Por isso, muitos voluntários
desistem do trabalho comunitário, pois vão para as ONGs com a perspectiva de
tudo mudar rapidamente.
Manter a confiança no
futuro é sempre difícil. Assim como a vida, a gestão exige uma renovação
cotidiana e não vem pronta nos famosos Manuais de Administração, que têm como
contrapartida na vida a literatura rasteira de autoajuda. O mundo é complexo e
suas respostas também.
Quem atua nas ONGs
sabe que renovamos as utopias cotidianamente, mesmo quando não conseguimos
enxergar saídas para os dramas da realidade. Mas o compromisso com um projeto
de uma sociedade melhor, mais justa, democrática e sustentável pode servir de
esteio para se continuar na labuta.
Na esfera gerencial,
é preciso tratar com cuidado a necessidade e o desejo de transformar a chamada
"cultura organizacional" das ONGs. Muitos livros e abordagens em
administração vão transmitir uma ideia, bastante questionável, de que é
possível transformar a cultura de uma organização. Caso ocorram problemas de
transformação da cultura, bastaria uma boa gestão e a aplicação de boas
técnicas de gestão para que nosso governo, nossas empresas, nossas ONGs e nossa
própria sociedade se transformassem rapidamente em instituições exemplares.
Se estamos atentos ao
que grandes pesquisadores sobre gestão como Omar Aktouf e Eugene Enriquez
afirmam, pode-se perceber que a transformação organizacional é algo difícil,
cheio de idas e vindas e cujo resultado final não é aquele esperado pelo
gestores. Nessa hora, vale o compromisso com a gestão participativa, a
capacidade de lidar com conflitos e a de aceitação a própria dinâmica da
instituição que se quer transformar.
Um dos exemplos de
como maturidade e bom senso são mais importantes do que apenas se fiar em boas
técnicas de gestão diz respeito à transição (ou não) do registro jurídico de
uma ONG. Hoje, existe a possibilidade de se transformar em uma organização da
sociedade civil de interesse público (OSCIP). Essa nova jurídica traz vantagens
e desvantagens tanto com relação à gestão quanto com relação à construção de
parcerias. Ganha-se flexibilidade para atuação de um lado, mas passa-se a se
submeter a várias restrições que têm imperativos gerenciais (metas e planos
claros, por exemplo). Isso exigirá dos trabalhadores das ONGs uma nova postura
na forma de atuação.
É importante estar
atento também à reputação da ONG junto aos diferentes grupos que interagem com
ela. Expectativas positivas demais ou negativas podem ser criadas pela
comunidade, pelo governo local, pelos conselhos, por empresas parceiras e
outros tantos apoiadores da ONG. Se as mudanças na realidade social e no
ambiente interno da ONG acontecerem de forma lenta, o que é mais provável, pois
tanto os problemas sociais e ambientais que vivemos quanto os desafios de
gestão são extremamente complexos, as expectativas frustradas dos apoiadores
podem prejudicar a reputação da própria ONG.
O que mais precisamos
hoje são de pessoas que pensem diferente do grande discurso oficial e vazio que
todos reproduzem por aí. Pessoas que questionem se todas as interações entre
Estado e ONGs são realmente parcerias, se voluntariado é sinônimo de cidadania
e se as empresas têm toda essa capacidade e vontade de resolver os problemas
socioambientais como afirmam. E, infelizmente, muitas vezes o domínio de
ferramentas de gestão por partes de dirigentes de ONGs vem acompanhado de
reduzida capacidade de enxergar criticamente a realidade. Isso acontece,
inclusive, porque há uma cultura entre gestores de que a crítica é inimiga da
capacidade de empreender. Trata-se de uma falsa dicotomia, pois os melhores
empreendedores sociais sempre tiveram e têm uma grande capacidade de enxergar problemas
e é justamente de uma boa mirada nos problemas que surgem soluções viáveis.
Mas o importante é
conseguir compatibilizar a indignação, a crítica e a utopia com uma visão
proativa, capaz de encaminhar algumas soluções para os problemas sociais, por mais
pontuais que sejam essas soluções. Isso a gente aprende vivendo e fazendo a
síntese entre a teoria e nossa história de vida. Desejo boa sorte nessa
caminhada, fazendo votos para que todos os que corajosamente aceitam o desafio
de serem "não-governamentais" consigam essa síntese tão necessária
hoje.
Armindo dos Santos de
Sousa Teodósio (Téo)
Professor do Programa
de Pós-Graduação em Administração da PUC Minas
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