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sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Edição 177 – Agosto 2015
Opinião
Eu sou Não-Governamental
Hoje, cabe vez mais, os jovens se voltam para novas carreiras e novas formas de viver, trabalhar e conviver na sociedade. Já se foi o tempo em que aqueles que queriam mudar o mundo se decidiam por uma carreira política, ou em que aqueles que desejam alcançar riqueza e poder visavam carreiras de longa duração em grandes empresas privadas. Empreendedores privados, tocando pequenos negócios muito dinâmicos, inovadores e lucrativos, e empreendedores sociais à frente de organizações não-governamentais (ONGs) estão mostrando ao mundo que é possível construir novas formas de trabalho e de vida em sociedade, para além do mercado privado ou do espaço governamental. Porém, os desafios para quem decide ser "não-governamental" são muitos.


Um dos grandes desafios nas ONGs hoje, não só no Brasil, mas também em todo o mundo, é que as condições de trabalho não são nada boas. As pessoas trabalham em várias frentes de atividades e se deparam com um cotidiano que parece reforçar a ideia de que os problemas sociais se agravam mais e mais. Por isso, muitos voluntários desistem do trabalho comunitário, pois vão para as ONGs com a perspectiva de tudo mudar rapidamente.
Manter a confiança no futuro é sempre difícil. Assim como a vida, a gestão exige uma renovação cotidiana e não vem pronta nos famosos Manuais de Administração, que têm como contrapartida na vida a literatura rasteira de autoajuda. O mundo é complexo e suas respostas também.
Quem atua nas ONGs sabe que renovamos as utopias cotidianamente, mesmo quando não conseguimos enxergar saídas para os dramas da realidade. Mas o compromisso com um projeto de uma sociedade melhor, mais justa, democrática e sustentável pode servir de esteio para se continuar na labuta.
Na esfera gerencial, é preciso tratar com cuidado a necessidade e o desejo de transformar a chamada "cultura organizacional" das ONGs. Muitos livros e abordagens em administração vão transmitir uma ideia, bastante questionável, de que é possível transformar a cultura de uma organização. Caso ocorram problemas de transformação da cultura, bastaria uma boa gestão e a aplicação de boas técnicas de gestão para que nosso governo, nossas empresas, nossas ONGs e nossa própria sociedade se transformassem rapidamente em instituições exemplares.
Se estamos atentos ao que grandes pesquisadores sobre gestão como Omar Aktouf e Eugene Enriquez afirmam, pode-se perceber que a transformação organizacional é algo difícil, cheio de idas e vindas e cujo resultado final não é aquele esperado pelo gestores. Nessa hora, vale o compromisso com a gestão participativa, a capacidade de lidar com conflitos e a de aceitação a própria dinâmica da instituição que se quer transformar.
Um dos exemplos de como maturidade e bom senso são mais importantes do que apenas se fiar em boas técnicas de gestão diz respeito à transição (ou não) do registro jurídico de uma ONG. Hoje, existe a possibilidade de se transformar em uma organização da sociedade civil de interesse público (OSCIP). Essa nova jurídica traz vantagens e desvantagens tanto com relação à gestão quanto com relação à construção de parcerias. Ganha-se flexibilidade para atuação de um lado, mas passa-se a se submeter a várias restrições que têm imperativos gerenciais (metas e planos claros, por exemplo). Isso exigirá dos trabalhadores das ONGs uma nova postura na forma de atuação.
É importante estar atento também à reputação da ONG junto aos diferentes grupos que interagem com ela. Expectativas positivas demais ou negativas podem ser criadas pela comunidade, pelo governo local, pelos conselhos, por empresas parceiras e outros tantos apoiadores da ONG. Se as mudanças na realidade social e no ambiente interno da ONG acontecerem de forma lenta, o que é mais provável, pois tanto os problemas sociais e ambientais que vivemos quanto os desafios de gestão são extremamente complexos, as expectativas frustradas dos apoiadores podem prejudicar a reputação da própria ONG.
O que mais precisamos hoje são de pessoas que pensem diferente do grande discurso oficial e vazio que todos reproduzem por aí. Pessoas que questionem se todas as interações entre Estado e ONGs são realmente parcerias, se voluntariado é sinônimo de cidadania e se as empresas têm toda essa capacidade e vontade de resolver os problemas socioambientais como afirmam. E, infelizmente, muitas vezes o domínio de ferramentas de gestão por partes de dirigentes de ONGs vem acompanhado de reduzida capacidade de enxergar criticamente a realidade. Isso acontece, inclusive, porque há uma cultura entre gestores de que a crítica é inimiga da capacidade de empreender. Trata-se de uma falsa dicotomia, pois os melhores empreendedores sociais sempre tiveram e têm uma grande capacidade de enxergar problemas e é justamente de uma boa mirada nos problemas que surgem soluções viáveis.
Mas o importante é conseguir compatibilizar a indignação, a crítica e a utopia com uma visão proativa, capaz de encaminhar algumas soluções para os problemas sociais, por mais pontuais que sejam essas soluções. Isso a gente aprende vivendo e fazendo a síntese entre a teoria e nossa história de vida. Desejo boa sorte nessa caminhada, fazendo votos para que todos os que corajosamente aceitam o desafio de serem "não-governamentais" consigam essa síntese tão necessária hoje.

Armindo dos Santos de Sousa Teodósio (Téo)

Professor do Programa de Pós-Graduação em Administração da PUC Minas

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