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quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Edição 178 – Setembro 2015
Opinião
Refavela é Aqui, com Muito Orgulho!

Gilberto Gil, dentre outros tantos artistas brasileiros, cantou e contou as belezas das favelas brasileiras em uma linda canção chamada Refavela. Nos últimos anos, temos assistido a uma busca de resignificação no imaginário social dos brasileiros quanto à favela. Programas de televisão como o "Esquenta" e uma série de telenovelas tentam recontar a história das favelas e seu povo sob olhares menos preconceituosos. E, nessa caminhada, favela deu lugar à expressão politicamente correta "aglomerado urbano" e a outra que tenta ser ainda mais positiva, a de "comunidade". Mas, as questões que permanecem são: Conhecemos nossas favelas?; Conhecemos nossa periferia? Avançamos para além dos esteriótipos da favela e dos favelados como maus ou bons mocinhos?
Se uma série de mazelas sociais afligem as favelas brasileiras, um grande número de iniciativas para transformação dessa realidade também podem ser encontradas. Projetos de ONGs e fundações empresariais, ações do poder público e tentativas de dinamizar e modernizar a economia local nas favelas são algumas das centenas de ações que cotidianamente encontramos nas favelas brasileiras. Com elas, aparecem muitas promessas de fazer a favela se reconhecer como comunidade e se revigorar como um lugar no qual gente de bem constrói uma vida que vale a pena ser vivida. Mas, entre o pessimismo crônico e a utopia desvairada sobre as favelas, permanece uma realidade social que merece nossa atenção e cuidado.
Projetos de empreendedorismo em comunidades de baixa renda e vulnerabilidade socioambiental podem dinamizar processos de geração de trabalho e renda, fazendo com que recursos financeiros permaneçam em circulação na comunidade e/ou atraindo recursos externos para dentro dela e ampliando a qualidade de vida nesse território. Além disso, resultados indiretos de longo prazo em termos de segurança pública, capacidade de colaboração comunitária e melhora da autoestima de populações em situação de risco social também podem decorrer de projetos sociais.
Em diferentes países do mundo existem experiências muito bem sucedidas de inclusão social com geração de renda e de sustentabilidade urbana, seja nas nações desenvolvidas, seja na Índia e África do Sul, por exemplo, além do Brasil, é claro. Alguns exemplos são as hortas comunitárias urbanas na Inglaterra; serviços de microcrédito e inclusão financeira na África e Ásia; geração de energia eólica em comunidades indígenas no Peru; e acesso à água no semiárido brasileiro com o projeto Um Milhão de Cisternas.
Existem no Brasil milhares de projetos de empreendedorismo social em comunidades em vulnerabilidade. Falta maior apoio de quem não interage e conhece a realidade das favelas. Empresas, poder público, ONGs e pessoas físicas podem e devem apoiar projetos de empreendedorismo social nas comunidades brasileiras, não só em termos de recursos financeiros, mas também de compartilhamento de recursos humanos, tecnológicos, logísticos, informacionais e de conhecimento. Existem excelentes projetos brasileiros de empreendedorismo social, alguns deles que se tornaram referencia internacional.
Na Região Metropolitana de Belo Horizonte, como em várias outras capitais brasileiras, existem muitas iniciativas bem sucedidas de empreendedorismo social em diferentes áreas como geração de trabalho e renda, reciclagem, inclusão da pessoa com deficiência e habitação popular, para citar algumas iniciativas.
Belo Horizonte passou por um processo de revitalização das comunidades dos aglomerados, como por exemplo, com o projeto Vila Viva. Porém, com as obras para a Copa do Mundo, BH foi citada na UN Habitat como cidade que desrespeitou direitos humanos no descolamento de comunidades para a abertura de espaço para as obras de mobilidade urbana. Além disso, o volume de recursos e as políticas públicas para inclusão social e avanço da qualidade de vida nos aglomerados urbanos em BH deixam a desejar. O tráfico e a criminalidade são apenas dois dos problemas dos aglomerados e são na verdade problemas que incomodam mais as classes médias e ricas da cidade. Vários outros problemas como qualidade de habitação, propriedade da terra, mobilidade urbana e equipamentos e serviços públicos de qualidade em termos de educação, saúde e lazer são tão importantes quanto a criminalidade na realidade das favelas.
Um projeto social que seja realmente efetivo e transformador não deve necessariamente mudar a cultura da periferia. Pelo contrário, deve se valer das virtudes da cultura de periferia para gerar inclusão social, elevação da autoestima e encontro entre diferentes pessoas na cidade, entre pessoas da periferia e das classes média e rica. Atividades culturais e esportivas como as promovidas pela Central Única de Favelas (CUFA) demonstram que há muitas virtudes culturais e cívicas nas comunidades e que o resgate dessa cultura é um dos caminhos para efetivamente transformar a realidade social em prol da justiça, democracia, inclusão e sustentabilidade.
As principais características que regem a cultura econômica das comunidades em vulnerabilidade social são a informalidade, baixa qualidade de produtos e serviços, precariedade de serviços de telefonia e internet, dificuldade de entrega de produtos comprados fora do aglomerado urbano e pagamento mais caro por produtos e serviços vendidos de forma mais barata para as classes média e rica, porque não recorrem ao crediário e podem comprar muitos produtos para estoque quando estão em promoção. Porém, nos últimos anos, populações que vivem nos aglomerados estão procurando qualidade, preço e inovação tecnológica nos produtos e serviços que adquirem, além de se preocuparem com a educação, saúde complementar e viagens. Então, hoje, os moradores de favelas no Brasil dizem para as empresas que são consumidores tão exigentes quanto às classes médias e ricas e que sabem o valor de se investir em produtos e serviços ligados à educação e cultura. Acabou a era do "vender produto de pobre para pobre". Esse preconceito deve ser superado por quem quer fazer negócios com populações que vivem em aglomerados urbanos.
E para quem me acompanhou até aqui na leitura e está pensando que essa discussão diz respeito apenas às grandes metrópoles, no nosso caso, diz respeito à nossa capital, Belo Horizonte, sugiro que olhe com mais vagar, cuidado e carinho para as bordas da nossa querida Brumadinho. Infelizmente, vamos encontrar favelas urbanas e rurais que exigem de todos nós, que temos carinho e nos preocupamos com o futuro de nossa cidade, mais atenção e mais inovação social para transformarmos essa realidade que começa a nos assustar com a criminalidade, desigualdade social e péssimo acesso a serviços públicos. Precisamos reinventar as nossas "Refavelas" em nossa querida Brumadinho, senão em Brumadinho a canção de Gilberto Gil permanecerá apenas como uma abstração.

Armindo dos Santos de Sousa Teodósio (Téo)

Professor do Programa de Pós-Graduação em Administração da PUC Minas

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