Edição 120-Janeiro/2011
Jornalista Valdir de Castro lança Réquiem para o Inhotim
“Tem nome de Inhotim o lugar em que as flores se gastavam de tanto serem vistas”
Um livro corajoso! Essa é uma boa definição para o livro de poesias Réquiem para o Inhotim, que acaba de ser lançado pelo editor do jornal Tribuna da ASMAP, o jornalista Valdir de Castro Oliveira. Mas não é a única definição.
Recebi um exemplar das mãos do próprio Valdir numa manhã de janeiro, em minha residência. Fomos logo tocados pelo título da obra, Réquiem para o Inhotim. Fomos, no plural mesmo, porque minha esposa mal deixou que eu o folheasse e percebesse que era de poesias para tomá-lo em suas mãos e começar sua leitura. “Já é um Editorial”, disse-me o editor do Tribuna diante do meu comentário sobre o título. E ao ver um livro com 88 poemas, não me contive e logo reclamei com o autor por não ter participado dos concursos promovidos pelo de fato.
A poesia de Valdir
Jane, minha esposa, logo se encantou pelas poesias e foi lendo-as em voz alta, comentando comigo e meus dois filhos sobre o trabalho. Ao ouvir a leitura de alguns poemas, logo percebi um quê de Carlos Drummond de Andrade...
Li Réquiem para o Inhotim na viagem de férias, numa praia quase deserta de Santo André (BA), ouvindo suave barulho de mar. Em Réquiem conheci um Valdir que não conhecia. Não o Valdir acadêmico, crítico, sintonizado aos problemas de Brumadinho, militante da comunicação. Conheci o poeta de qualidade, maduro, vivido, capaz de transformar pela palavra e de deixar-se transformar por ela.
A obra
Parafraseando Walter Benevides (Compositores Surdos, p. 52), eu diria que Valdir “deixa-nos um réquiem de rara coragem e sobriedade, estupenda exceção da bombástica bajulação que toma conta da cidade desde 2004.” Como o jovem de camisa branca e calças pretas na Praça da Paz Celestial, em Pequim, China, enfrentando uma coluna de 23 tanques do regime totalitário de Deng Xiaoping, Valdir enfrenta os tratores de Bernardo Paz, ”que, educadamente, a todos pediu licença para inaugurar novos destinos e levar o nosso nome,” (“Assim caminha a civilização”, pág. 106). Seu livro é uma voz que trava uma batalha: se contrapõe e busca, valentemente, falar mais alto do que o barulho dos tratores que derrubaram as casas de Inhotim, fato retratado no que ele chamou deliberadamente de Estética do Fim, no jornal Tribuna e com o qual fez eco o jornal de fato em diversas edições. É uma voz quase solitária, é verdade. Mas, quem, numa situação semelhante, teria coragem de fazer a mesma coisa? O que move pessoas como Valdir? Pode ser saudade, pode ser tristeza, decepção, pode ser uma idéia. Sabe-se, no entanto, o que essas pessoas movem. Elas movem a História. Perdem ou ganham. Às vezes, mesmo perdendo, ganham. Foram pessoas anônimas que tomaram a Bastilha, fizeram as revoluções na Rússia, encheram as fileiras da Longa Marcha - o movimento que culminou com a instauração do regime comunista na China -, entraram com Fidel e Chê Guevara em Havana no Ano Novo de 59.
Réquiem para o Inhotim é uma crítica corajosa, que começa no próprio título do livro (um editorial, como disse-me o autor) e passa por poesias como “Mordaça Radiofônica” (pág. 130), “Estupro Estético” (132), “Fratricídio” (135), “Paredão” (137), “Extremunção” (138) ou “Anti-museu” (136). Porém é mais. Réquiem para o Inhotim é um lamento, uma reza, e muita, muita saudade.
Saudades, dinheiro, rios e pessoas... não necessariamente nessa ordem
“Saudade” é uma das palavras mais presentes no livro de Valdir de Castro (págs. 123: Algo me fez mudar de idéia/ e virei poeta,/ não para as tardes prever,/ mas para chorar as manhãs/ que nunca mais vou ver.; 124, 128, 129,130,134...). Seja com essa grafia, seja em outros como “memória” – que abre a página 11 -, “lembranças” e por aí vai. Saudades de um Inhotim que não existe mais, a não ser na memória dos ex-moradores, inclusive dele, Valdir, agora na diáspora.
O Inhotim da simplicidade e da vida como ela é (O velho Inhotim/ deixou órfãos/ inveterados pinguços/ e antigos ladrões de galinha./ Deixou ao léu/ o misterioso bote do Ilacir/ e as suaves estrelinhas/ que cantavam nas novenas da igrejinha.).
O Inhotim do Rio Manso, do piscoso Paraopeba (pág. 118) ou dos “corguinhos do Elpídio” ou das terras dos Moreiras, os Moreiras sempre presentes no Réquiem.
O Inhotim, principalmente, das pessoas de Inhotim. É um livro coalhado de pessoas de Inhotim (pags. 99, 139, 140), tratadas com enorme carinho, embora em “Aposta” (pág.118) se possa entrever como que uma queixa, como se o correto fosse os moradores resistirem ao dinheiro de Inhotim (o outro, o Museu) e não venderem suas propriedades. Outros nomes também aparecem nos poemas de Valdir, como Nery Braga, Irmão Jair, Aurélio do Pio, Padres Dante, Silvério e Wagner, dentre outros.
Aliás, o dinheiro é outro forte componente em Réquiem para o Inhotim. O dinheiro que compra tudo, que compra as casas e terrenos de Inhotim e expulsa, educadamente, os moradores com promessas de casa na COHAB. (págs. 119, 135, 121: Os caminhos do Inhotim/ vivem hoje plenos de dinheiro,/ longe de Deus e muito perto/ de arreganhadas algibeiras.; 129: Será que ele captou (referindo-se ao artista Doug Aitken, autor da obra Os sons da Terra), com seus potentes microfones,/ as negociações para vender por um punhado de dinheiro/ a milagrosa capelinha do Inhotim/ construída por mutirões domingueiros?; 133: Lembrai-vos da capelinha/ Vendida por um punhado de dinheiro.; 132: Pobres montanhas! Pobres terras!/ Sem eira nem beira,/ Ora estupradas pela arte,/ Ora pelo capital estrangeiro!); 139: ...tentado por cifrões em volta/ capazes de anular a fertilidade/ dos sonhos dos antônios... (“Réquiem para Inhotim”)
Não faltou também no livro a denúncia do que foi feito da Rádio InterFM! – hoje, Regional – Pequenas caixinhas mágicas que Brecht pediu nunca ficarem/ mudas,. Em Mordaça Radiofônica, onde é registrada sua morte, é preciso mais um réquiem: Com maracutaias daqui,/ um bando de áulicos dali/ bocas foram fechadas, as caixinhas silenciadas/ dando lugar a novas palavras/ que apodreceram os frutos da mesa./ Pelo decreto da anti-magia/Nada mais haveria no ar, a não ser aviões de carreira./ Nada mais caberia naquelas caixinhas,/ a não ser palavras par anunciar a morte das sementes. / pobre Brecht, pobre Rádio InterFM!
Elogios ao Museu
Não faltaram também elogios ao Museu. Ter uma outra visão sobre Inhotim não quer dizer para Valdir – ou outros que tenham visões diferenciadas, digamos, da “oficial” – desconhecer sua importância para Brumadinho. Aliás, da mesma forma que se aceita a arte contemporânea que é, de per si, em sua essência, uma outra visão das coisas e do mundo, é coerente que se aceite também, ou melhor, que se admita também, outras visões sobre Inhotim, o Museu, ou Instituto, como se queira. Em Pátria ou Muerte (pág. 119), o poeta registra (pag. 120): “Dali nasceu bonito museu de arte contemporânea...”.
O fazer poético de Valdir
Réquiem para o Inhotim mostra um poeta que tem intimidade com as palavras, alguém que delas faz seu objeto de expressão há muito tempo. Ainda que não houvesse o poema “Parapoetando Drummond” (pág. 104), pode-se notar na obra um estilo parecido com o do poeta de Itabira. São poemas comprometidos com a vida, a vida aqui e agora, real, sofrida, lutada no dia-a-dia. Do mesmo Drummond, o estilo de poemas mais curtos e alguns mais longos, às vezes com pouca rima, às vezes com rima no mesmo verso: E levar aos confins notícias boas ou ruins.(“Tropeiro do Inhotim”, pág. 50) E, como em Drummond, muitas vezes o recurso da rima é substituído pela repetição poética e melódica como em “Baixas” (pág. 61), “Desejos” (pág. 66), “Passageiros”(pág. 68), “Labirinto do Inhotim” (pág. 116) e tantas outras.
Não falta, ainda, algo próximo da poeta Adélia Prado, como se vê em “Milagre da massa” – pág. 58 - (As mãos da Hilda burilam a massa dos biscoitos...) e belas construções frasais, como em “Saudades” (pág. 115): Ficou a saudade/ e um pequeno epitáfio: “Aqui jazem/ Elpídio e D.Cecília,/ e o pranto da filharada”/ destino que também pode ser meu:/ aqui jaz eu!/ Jazeu?)
As mais mais!
Claro! Há aquelas que nos tocam mais. São muito bonitas: “Rosas” (pág.55), “Menu da D. Noeme” (pág.78) e “Traços” (pág.90). São lindas: “Cadência do tempo” (pág.47), “A morte de Olinda” (pág.52), “Baixas” (pág.61), “Mapas do Inhotim” (pág.94),
Jornalismo e academicismo
Como não poderia deixar de ser, Réquiem para o Inhotim é marcado também pelo academicismo próprio de um poeta que vem de onde vem (Valdir é professor aposentado da UFMG, tendo passado também pela UFPB e estando, atualmente, no Instituto de Ciência e Inovação Tecnológica da Fundação Oswaldo Cruz, no RJ). No entanto, está apenas em Prefácio do autor, de longas 13 páginas.
A marca jornalística está presente em 99 fotos, legendadas, incluindo fotos do jornal Tribuna. Nada que tire o brilho, a coragem e a beleza do Réquiem.
Ao Valdir, a “inspiração” para continuar escrevendo belos poemas para continuar nos encantando; aos da diáspora, os que se foram de Inhotim – não o Museu, mas o Inhotim de Valdir – rogamos às forças misteriosas e transcendentais que sustentam a poesia: requiem aeternam dona eis, ‘dai-lhes o repouso eterno’.
Reinaldo Fernandes – Editor
Ficha técnica
Réquiem para o Inhotim, de Valdir de Castro Oliveira, 191 páginas, lançado pela All Print Editora, tem 4 partes (Gênese, Travessia, Desvanecimento e Imagens Comunitárias), além de uma Apresentação, feita pelo professor paraibano João de Lima Gomes e o Prefácio do autor. São 88 poesias e 99 fotos. A capa traz uma foto de umas das últimas festas realizadas na Igrejinha de Santa Antônio, vendia ao Inhotim pela Igreja Católica.