Edição 182 – Janeiro 2016
Opinião
O “iate” do
Lula e o jornalismo “sem noção”
Fernando Brito
A Folha hoje se supera. Apresenta como “prova” da
ligação de Lula com o sítio que ele nunca negou frequentar, em Atibaia, um
barco comprado por D. Mariza, sua mulher e mandado entregar lá.
A “embarcação”, como se vê no próprio jornal, é um
bote de lata comprado por R$ 4.100.
Presta para navegar num laguinho, com a mulher, dois
amigos e o isopor, se ninguém fizer muita gracinha de se ficar em pé, fazendo
graça.
É o “iate do Lula”, quase igual ao Lady Laura do
Roberto Carlos e só um pouco mais modesto do que as dúzias de lanchas que você
vê em qualquer destes iate clubes que existem em qualquer cidade praiana.
A pergunta, obvia, é: e daí que o Lula frequente o
sítio? E daí que sua mulher tenha comprado um bote, sequer a motor, para pescar
umas tilápias, agora que já não podem, como nos velhos tempos, fazer isso na
represa Billings?
Qual é a prova de que a reforma do sítio foi paga pela
Odebrechet (segundo a Folha) ou pela OAS (segundo a Veja)?
E se o Lula frequentasse a mansão de um banqueiro? E
se vivesse nos iates – os de verdade – da elite rica do país?
O que o barquinho mixuruca prova a não ser a absoluta
modéstia do sujeito que, quatro anos atrás, escandalizava essa gente carregando
um isopor para a praia?
Os jornais, a meganhagem e a turma do judiciário – que
já não se separam nisso – estão dedicados a destruir o “perigo lulista”.
Esqueçam o barquinho: o que eles querem é ter de novo
o leme do transatlântico.
Perderam até a noção do ridículo, convencidos de que
já não há resistência a ele nas mentes lavadas do país.
E acabam revelando que, em suas mentes, o grande
pecado de Lula, que ganha em palestras pagas o suficiente para comprar uma
“porquera” daquelas por minuto que passe falando, ou para alugar uma cobertura
na Côte D’Azur do Guarujá é continuar pensando como pobre: querendo comprar
apartamento em pombal e barquinho de lata para ficar de caniço, dando banho em
minhoca.
É que ter nascido pobre é um crime que até se perdoa,
imperdoável mesmo é continuar se identificando com eles.
Fernando Brito, jornalista, é Editor do Blog Tijolaço.
Texto publicado em 30/01/2016
O “Escândalo do Barco” é o episódio mais
ridículo da história da mídia.
Paulo Nogueira
Há uma cena particularmente engraçada no
filme Butch Cassidy. No final, Butch e seu companheiro Sundance Kid estão
encurralados num canto na Bolívia. A polícia local pede reforços para o
exército nacional. Vão chegando soldados às dezenas, centenas. O comandante da
tropa pergunta num certo momento ao chefe da polícia. “Quantos são?”
A resposta vem seca: “Dois.”
O comandante faz uma careta de espanto.
Imaginava um número considerável de bandidos.
“Dois???”
“Dois.”
Lembrei desta cena com o episódio do barco
de Lula. Imagino dois leitores da Folha, que deu o furo como se fosse um novo
Watergate, num diálogo assim.
Leitor 1: “Viu essa? Descobriram um barco
do Molusco. Pegaram até a nota fiscal. Não tem como negar e dizer que não é
dele.”
Leitor 2: “Esse Molusco tinha mesmo que se
ferrar. Nove Dedos. Brahma. Deve custar uma fortuna o barco.”
O Leitor 2 mentaliza um iate igual ao de
Roman Abramovic, o dono do Chelsea. O nome é Eclypse, e é conhecido como o Iate
de 1,5 bilhão de dólares.
Leitor 2: “Quanto custa o barco do Brahma?”
O Leitor 1 mostra quatro dedos.
Leitor 2: “4 milhões de dólares?”
Ele ficou até decepcionado. Que são 4
milhões de dólares diante de 1,5 bilhão?
Leitor 1: “Não. 4 mil reais.”
Leitor 2: “O que??? 4 mil reais???”
Ele estaria menos inconformado se o preço
fosse pelo menos em dólar. Numa rápida conta, ele percebeu que poderia comprar
uma frota de barcos como os do Brahma.
Leitor 2: “Você tem certeza de que não
errou? Não são 4 milhões de dólares? Dá uma conferida no site da Folha.”
O Leitor 1 começa a desconfiar da sua
informação. Pensa que deve ter visto errado. O Moro não faria estardalhaço por
uma ninharia. Começa a se condenar por passar adiante uma quantia sem sentido.
Seu interlocutor vai achar que ele é uma besta, um cara capaz de falar num
homem de 8 metros. Pega seu celular e vai checar.
4 mil reais.
Leitor 1: “Tou com um problema de conexão.
Não tá dando pra checar. O importante, aliás, não é o preço. É o barco em si.
Molusco ladrão!”
E assim se despedem os dois leitores da
Folha, rumo ao planeta paralelo em que vivem sob o noticiário do jornal.
Penso neles e penso na mídia. Os jornais já
tinham perdido o pudor em relação ao jornalismo tão desiquilibrado e parcial
que praticam. Agora perderam também o senso do ridículo.
Em minha carreira de 35 anos, vi muitas
coisas cômicas, ou tragicômicas, em jornais e revistas. Estava na Veja, por
exemplo, quando saiu o “Boimate”, a combinação de boi com tomate, piada de uma
publicação científica americana que a revista levou a sério.
Vi a Folha publicar, depois de uma decisão
de Fórmula 1 no horário brasileiro da madrugada, um texto com a vitória de
Senna e outro com a vitória de Prost, tudo isso numa só página para o leitor
ler como lhe conviesse.
Mas nada, rigorosamente nada, se compara em
estupidez à tentativa de transformar um barquinho mixuruca num escândalo
nacional.
Paulo Nogueira é jornalista, fundador e
diretor editorial do site de notícias e análises Diário do Centro do Mundo
Educação financeira: o que fazer
para arrumar dinheiro com urgência?
Lélio Braga Calhau
Comentar com outras pessoas sobre o aperto financeiro não é uma
experiência agradável. Dói compartilhar as angústias de ter contas chegando e
não haver dinheiro em caixa para quitá-las. Quem conhece o “trauma” de ter um
cheque devolvido por falta de fundos? A sensação de tristeza nos avassala
nessas situações.
É um sentimento de impotência, uma frustração enorme e dolorosa
com o resultado de decisões financeiras anteriores precipitadas ou feitas, em
alguns casos, com indicações de pessoas mal intencionadas e que se revelaram,
após meses ou anos, desastrosas. Isso pode afetar a todos nós.
Basta uma compra mal avaliada, como um financiamento de veículo,
ou um comportamento compulsivo de compras a médio prazo, para se instalar uma
pandemônio na vida do devedor e de toda sua família. Temos, então, que nos
“policiar” sempre para que nosso equilíbrio financeiro seja mantido. E se temos
família para tomar conta, esse cuidado não deve ser só redobrado; deve ser
muito mais intenso.
Eu sempre ouvia pessoas próximas comentando casos assim. Todos
nós conhecemos alguns, ou que ocorreram em nossas vidas, ou com amigos e
familiares. Ultimamente está acontecendo algo mais doloroso comigo. Pelo fato
do nosso trabalho de divulgar a educação financeira e os direitos dos
consumidores estar ficando mais conhecido, tenho sido abordado por pessoas na
minha cidade, nos fóruns e em eventos do meio jurídico, que se encontram muito
endividadas.
Há gente endividada com todo o tipo de renda. Para muitos, a
queda surgiu por conta do elevado padrão de consumo, para outros, com nomes
mais diversos e motivos mais confusos, a ostentação, a “curtição”, o
compromisso único com o presente em detrimento do futuro. Esses são apenas
alguns dos exemplos.
Lancho numa pequena padaria perto da minha casa. É um “pastel de
vento” de queijo e um refrigerante. Sei que a combinação não é saudável, mas é
simples e remete à minha infância. Eu estou ali sentado e quase sempre é do
mesmo jeito. As pessoas se aproximam e pedem conselhos financeiros. Vejo nos
olhos deles a frustração e a dor de terem colocado a família em uma situação de
grave endividamento. É triste ver isso nos olhos das pessoas.
Alguns estão marejados, outros escondem a dor e a vergonha de
estarem com dívidas não honradas. Ao contrário do que se ventila, há muita
gente honrada neste mundo e há pessoas em desespero por conta de estarem quase
“quebradas”. Como promotor de justiça posso fazer muito pouco, já que o Ministério
Público não atua judicialmente nesses casos, mas como ser humano, ouço e
recomendo que as pessoas procurem advogados, contadores (ajudam muito a
calcular novas possibilidades) ou defensores públicos.
Pense muito antes de fazer um gasto fora da sua realidade.
Juventude passa, dinheiro voa e os “amigos” somem. Muita gente que ostentava há
20 ano, ou até menos, está hoje na rua da amargura. Sozinho.
Se você foi colhido nessa situação de forte endividamento, não
se entregue. Levante a cabeça. Vai dar trabalho, mas procure especialistas e
renegocie. Troque dívidas por outros empréstimos mais baratos. Analise as taxas
de juros e opte sempre pelas mais baixas. Quite ou amortize as dívidas.
Como? De várias formas. Uma delas é vender coisas que já não lhe
são mais úteis. Tenho certeza que você tem roupas, um celular, computador ou
até uma TV que já não usa mais. Que tal vender esses itens e levantar um
dinheiro com o que você já não precisa mais? Há famílias que organizam bazares
na garagem para se livrarem do que não usam. Ganham dinheiro e mais espaço em
casa.
Outra sugestão é fazer bicos. Encontrar uma atividade paralela
fora do horário de trabalho pode dar aquela folga no orçamento. Possibilidades
existem milhares. Você pode ser ajudante de pedreiro, de pintor, diarista ou
até mesmo fazer artesanatos ou chocolates para complementar a renda. O mais
importante é não se abater, nem desanimar diante das dificuldades.
Os chineses dizem que crise abre portas para oportunidades. Toda
crise em que me envolvi na vida, de algum modo me serviu para crescimento e
amadurecimento. Saí muito mais forte depois de eventos financeiros negativos do
passado. Não desanime e respeite o ditado popular de que “o dinheiro não aceita
desaforo”. Sua família vai lhe agradecer sempre!
Lélio Braga Calhau é Promotor de Justiça de defesa do consumidor do
Ministério Público de Minas Gerais. Graduado em Psicologia pela UNIVALE, é
Mestre em Direito do Estado e Cidadania pela UFG-RJ, palestrante e Coordenador
do site e do Podcast "Educação Financeira para Todos".
Privatizar Valor e
Socializar Crimes Ambientais

Considera-se como
valor compartilhado o valor que as empresas, ao realizarem suas atividades e
interagirem com as comunidades, geram também em termos sociais e ambientais, ou
em outros termos, para a sustentabilidade dos municípios nas quais atuam.
Trata-se de uma tendência
importante de gestão empresarial que tem se difundido entre diferentes empresas
de diferentes portes ao redor do mundo e também no Brasil. Pelas oportunidades
de criação de valor compartilhado presentes no nosso ambiente empresarial e a
criatividade que muitas dessas soluções de sustentabilidade desenvolvidas em
nosso país apresentam, o Brasil é visto mundialmente como celeiro de boas
práticas de valor compartilhado.
Há alguns bons
exemplos brasileiros de empresas que estão alterando suas estratégias de
negócios em direção à geração de valor compartilhado. Mas, infelizmente, essas
ainda são práticas isoladas e pouco difundidas no nosso contexto empresarial. O
principal fator para essa baixa difusão está ligado a pouca sensibilidade das
diretorias das empresas para promoverem mudanças consistentes em direção à
geração de valor compartilhado. Várias dessas empresas desenvolvem boas
práticas de responsabilidade social empresarial, porém as fazem a partir da
crença de que são o centro das inovações sociais, desprezando o potencial de
geração de valor advindo de parceiros das comunidades; melhoram processos
produtivos em direção a eco eficiência (operações já existentes realizadas com
melhor desempenho ambiental e social), porém enfrentam grande dificuldade de
pensar em inovações mais radicais em suas atividades, de forma a promover a eco efetividade (novas
formas de operação muito mais úteis e relevantes para a sustentabilidade); não
conseguem desenvolver ferramentas gerenciais capazes de administrar seus negócios
a partir da efetiva valoração de ativos e passivos sociais, culturais e
ambientais.
Na contramão de todo
esse processo, os crimes cometidos pela Samarco permanecem sem punição e sem
que efetivamente nenhum dos responsáveis esteja atrás das grades ainda. Isso
sem falar no pagamento das multas, outro aspecto que serve para desnudar para
toda a sociedade que não só a Samarco, mas também a Vale e a BHP nada têm de
compromisso com a geração de valor compartilhado.
Brumadinho não pode
esperar outro crime ambiental para se posicionar com pro atividade, de forma a
barrar futuros crimes baseados em privatização de lucros e socialização de
crimes ambientais como os praticados pela Samarco. A pergunta que fica é se
membros do poder público e da sociedade civil de Brumadinho, cooptados pelas
grandes empresas mineradoras, que lucram exageradamente a partir de nossa terra
e distribuem pífios benefícios sociais para projetos sociais e ambientais
questionáveis, terão coragem de agir de forma cidadã e voltada aos interesses
efetivos dessa nossa cidade tão maltratada historicamente pela mineração.
Armindo dos Santos de Sousa Teodósio
(Téo)
Professor do Programa de
Pós-Graduação em Administração da PUC Minas
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