Edição 183 – Fevereiro
2016
8 de março: Dia Internacional da Mulher
Até o final da
leitura deste texto, uma pessoa do sexo feminino sofrerá algum tipo de
violência. Isso porque a cada cinco minutos uma mulher é agredida no Brasil, de
acordo com o “Mapa da Violência 2012 – Homicídio de Mulheres”. Neste dia 8,
comemora-se o Dia Internacional da Mulher. Mas é o dia 25 de novembro que se
reveste de extrema importância para as mulheres brasileiras e do mundo inteiro.
O Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra a Mulher demonstra-se
extremamente importante para reflexão e mobilização no 7º país com a maior taxa
de homicídio de mulheres, segundo o mesmo mapa.
Em pesquisa da
ONG Articulação Feminista Marcosur (AFM), o Brasil ocupa a 15ª posição de uma
lista de 16 países, no índice que mede a igualdade de gênero entre mulheres e
homens na América Latina e Caribe, à frente apenas da Guatemala.
Os dados
brasileiros são assustadores. A cada duas horas uma mulher é vítima de
homicídio, contabilizando 372 mulheres mortas por mês. Os índices foram
levantados pelo Instituto Avante Brasil (IAB) a partir de dados do DataSUS, do
Ministério da Saúde; e revelam um retrocesso, se comparado à década de 1980,
por exemplo, quando uma mulher era assassinada a cada seis horas, totalizando
113 por mês.
Desde o
nascimento, as mulheres são as principais vítimas de violência em todas as
faixas etárias. Para crianças e adolescentes com até 19 anos, a violência física
é predominante, seguida da violência sexual, totalizando mais da metade dos
atendimentos realizados na rede pública de saúde, em 2011. O terceiro tipo de
violência mais recorrente é a psicológica. O levantamento revela que a maior
parte das vítimas de violência sexual tinha menos de 20 anos. Além disso, a
maior parte das agressões ocorrem na própria residência, lugar que deveria ser
chamado de lar.
Carinho do pai
Beatriz tem 13
anos e é filha única de um casal muito religioso. Sem nunca ter um namorado ou
qualquer outro tipo de contato social que não fosse o da igreja, a garota
engravida. Beatriz não sai sozinha nem para ir à escola, já que estuda em casa,
sendo seu pai o professor.
Depois de algumas
sessões no Posto de Saúde de seu bairro, a garota, sempre calada e retraída,
vai um dia sem a mãe e, com muita dificuldade, chora ao falar sobre o pai que,
“mesmo carinhoso, não gostava de ser contrariado”. Demonstrando medo e em meio
a lágrimas, Beatriz relata que seu pai já tinha lhe ensinado “como fazer
filhos” e, sobre os “carinhos” a que ele a submetia. Chantagens e ameaças a
obrigavam optar pelo silêncio.
Ao ser notificada
sobre a situação de incesto e abuso sexual, a mãe de Beatriz chora e desabafa
sem saber o que fazer, pois seu marido é um homem autoritário e violento em
certos momentos e que já ameaçou até matá-la em outra ocasião em que foi
contrariado. A assistência social informou que medidas legais e de proteção
deveriam ser tomadas, a orientaram procurar a Delegacia da Mulher e sugeriram o
abortamento legal, já que a menina não queria ter o filho. Em apenas um caso,
relatado no documento “Mulher Adolescente/Jovem em Situação de Violência”, da
Secretaria de Políticas para Mulheres (SPM), é possível identificar diversas
violações de direitos em uma pessoa com apenas 13 anos.
Historicamente o
abuso sexual é a violação mais recorrente e o trabalho infantil doméstico a
mais evidente. “Há a forte presença de meninas de 5 a 14 anos em casa de tios,
outros parentes e de terceiros. Esse comportamento vem de uma lógica
escravocrata, a herança patriarcal ainda coloca o homem no centro do poder, que
não enxerga a mulher como ser de direito”, afirma a advogada e assessora
técnica do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA), Luana Natielle.
“Muitas vezes a menina internaliza que ela é culpada pela violência, tornando
natural sua condição”.
Para ela, a
maioria das crianças que cresceram em espaços de violência refletem isso na
vida adulta. “Os agressores de hoje geralmente são os que sofreram algum tipo
de violência. As crianças que vivem nesse espaço têm menor desenvolvimento
acadêmico, mais dificuldade em se relacionar e se tornam mais violentas”.
Cultura do
machismo
As relações
desiguais entre homens e mulheres e a construção social do gênero feminino como
inferior ao masculino sustentam a violência contra as mulheres. “Essa violência
ocorre em função das raízes históricas, culturais e econômicas, de dominação de
gênero e de classe, que se mantêm pela reprodução da cultura do machismo e pela
questão da sobrevivência e do consumo”, avalia a secretária executiva do Comitê
Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual Contra Crianças e Adolescentes,
Karina Figueiredo.
Questões de
agressão contra mulher e desigualdade de gênero são geracionais e ainda latentes,
sendo a violência física e simbólica. “Mesmo com uma mulher presidente, ainda
chegamos no mercado de trabalho em condições desiguais, os salários continuam
os menores para os mesmos cargos, há discriminação”, aponta a assessora do
CFEMEA.
Luana acredita
que houve avanço em relação aos direitos para a mulher e igualdade de gênero
nos últimos 50 anos, mas que, apesar de termos leis de proteção especial, o
número de agressões cometidas pelos companheiros não diminuiu nos últimos sete
anos, desde a criação da Lei Maria da Penha. “A cultura brasileira é marcada
pelo machismo que determina espaços e comportamentos para mulher. O
empoderamento da mulher incomoda o homem porque ele não aceita a retomada do
sexo feminino no espaço público, com o domínio e liberdade do próprio corpo e
vida. Então ele agride e mata”.
Estado inerte
Apesar da Lei
Maria da Penha e do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) oferecerem
proteções específicas para crianças e adolescentes meninas, Luana Natielle
revela que a estrutura de atendimento existente não supre a demanda. “O Brasil
aumentou o orçamento destinado às mulheres, mas esse dinheiro não chega na base
do atendimento, porque aumentou também a violência. Então tem algo errado”.
Como solução, ela sugere mais políticas públicas e campanhas que promovam o
empoderamento dessas mulheres, e que dialoguem com homens também.
Outro ponto
destacado pela assessora técnica do CFEMEA é o papel da indústria e da mídia
que reproduz e fortalece os estereótipos da mulher como submissa e inferior.
“Os programas de TV, desenhos, novelas e as propagandas reforçam a visão da
mulher nos afazeres do lar, os brinquedos de meninas são direcionados para
cuidar da casinha ou do bebê. É preciso um quadro muito forte de mudança que
ensine o respeito e a igualdade”.
Para que essa
mudança aconteça, Luana aposta na reeducação da sociedade. “É necessário
disciplinas nas escolas que discutam questões de gênero e de direitos das
mulheres e minorias. Mas enquanto o Estado for inerte, as mulheres vão continuar
sendo agredidas e mortas”.
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