Edição
204 – Novembro 2017
Bernardo Paz é
condenado a mais de 9 anos por crime de lavagem de dinheiro
Sentença considerou que Criador de Inhotim utilizou
artifícios, como a pulverização de movimentações financeiras entre as empresas
de seu grupo, para lavar dinheiro proveniente da sonegação de contribuições
previdenciárias
O Ministério Público Federal em Minas Gerais
(MPF/MG) obteve a condenação do empresário Bernardo de Mello Paz e de sua irmã
Virgínia de Mello Paz pelo crime de lavagem de dinheiro. Bernardo Paz foi
condenado a 9 anos e 3 meses de prisão, em regime fechado; Virgínia, a 5 anos e
3 meses, em regime semiaberto.
Até 2010, o empresário era o proprietário
do conglomerado Itaminas, composto por 29 empresas, a maioria na área de
mineração e siderurgia. Naquele ano, o grupo foi vendido para uma empresa
estrangeira.
Na denúncia oferecida no ano de 2013, cujo
teor foi confirmado agora por sentença, o MPF afirmou que, entre 2007 e 2008,
Bernardo e Virgínia Paz praticaram lavagem de ativos de suas empresas,
dissimulando a origem e a natureza de recursos provenientes da sonegação de
contribuições previdenciárias.
Conforme reconheceu a sentença a partir da
documentação encaminhada pela Receita Federal e pela Procuradoria da Fazenda
Nacional, o comportamento habitual de Bernardo Paz era o de "não
cumprimento de obrigações fiscais e previdenciárias, revelando completo descaso
das empresas em relação ao Fisco", com dívidas milionárias inscritas em
dívida ativa, algumas já em fase de execução à época dos fatos.
Naquele período, segundo relatório do
Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), do Ministério da Fazenda,
foram detectadas movimentações irregulares, efetuadas especialmente pela BMP
[Bernardo de Mello Paz] Participação e Empreendimentos – que era a controladora
de todas as empresas que compunham o grupo Itaminas - e pela Horizontes.
Ilhas Virgens
A Horizontes foi criada por Bernardo Paz
com a finalidade de manter o Instituto Cultural Inhotim a partir de doações de
suas outras empresas. Ocorre que a maior acionista da Horizontes, a Vine Hill
Financial Corp, com sede nas Ilhas Virgens Britânicas, é uma empresa cujo
endereço é o mesmo de diversas pessoas físicas e jurídicas acusadas de cometer
crimes de lavagem de dinheiro.
Entre 2007 e 2008, a Horizontes recebeu o
valor total de US$ 98,5 milhões de um fundo denominado Flamingo Investiment
Fund, sediado nas Ilhas Cayman, outro paraíso fiscal.
Esses valores foram recebidos a título de
doações e/ou empréstimos para o Instituto Cultural Inhotim, mas logo depois
foram repassados, de diversas formas, "para o pagamento dos mais variados
compromissos de empresas de propriedade de Bernardo de Mello Paz, tendo sido
constatados diversos saques em espécie nas contas do grupo sem que se pudesse
identificar o destino final dos valores", relata a sentença, acrescentando
que "ficou claramente constatada existência de enorme confusão patrimonial
e contábil entre as diversas empresas do Grupo Itaminas. Tanto Bernardo de
Mello Paz, (...) quanto as testemunhas de defesa, por diversas vezes, afirmaram
que todos os compromissos das empresas do grupo eram pagos com dinheiro oriundo
da BMP Participação, pois evitava-se a utilização de contas correntes em nome
próprio das pessoas jurídicas do Grupo, a fim de impedir eventual bloqueio
judicial de valores devido ao não pagamento de obrigações fiscais, trabalhistas
etc.".
Ainda segundo a sentença, ficou demonstrado
que "a conta da Horizontes S/C não visava unicamente à manutenção do
Instituto Cultural Inhotim, mas também servia de conta intermediária para
diversos repasses às empresas do Grupo Itaminas".
Operações dissimuladas e
sonegação de impostos
Com relação aos saques em espécie, na boca
do caixa, foi apurado que as pessoas que sacaram os valores o fizeram a pedido
de Bernardo Paz. Para o Juízo Federal, tais operações, "longe de
configurarem uma simples retirada em espécie, foram verdadeiras operações
financeiras dissimuladas, visando induzir a erro no tocante ao destino final
dos valores, já que o beneficiário de tudo foi Bernardo de Mello Paz".
O Juízo Federal reconheceu que a
sistemática era a prática de sonegação previdenciária, "seguida da
ocultação e dissimulação dos valores, que retornavam através de transferências
oriundas de paraíso fiscal à conta da Horizontes, que, por sua vez, repassava à
BMP Participação, e esta última pulverizava os valores entre todas as empresas
do Grupo Itaminas, inclusive sendo destinadas a repasses em espécie a Bernardo
de Mello Paz".
Com relação ao empresário, a sentença
registra que, "na qualidade de principal acionista e proprietário das
empresas do Grupo Itaminas, era a pessoa que possuía o poder decisório e o
total controle sobre os negócios das empresas do grupo".
Também não há dúvida da culpa de Virgínia
Paz na dissimulação dos valores vindos do exterior. Lembrando que "não se
pode conceber que uma movimentação financeira, a qual chegou a 1.419% acima da
renda declarada, tenha passado desapercebidamente pela ré", o Juízo da 4ª
Vara Federal considerou que “(...) ainda que possuindo participação societária
menor, caberia à ré tomar conhecimento, regularmente, da situação da empresa em
que é sócia. Além disso, a ré prestou-se a efetuar todos os pagamentos
relativos ao Museu de Inhotim em sua conta pessoal, sabendo que tais transações
eram oriundas da empresa Horizontes Ltda, chamando para si a confusão
patrimonial e ajudando na dispersão dos ativos”.
Recurso
O MPF também havia denunciado Gustavo Luis
Kahey Machado, Marco Túlio Kahey Machado e Leila Kahey Machado, responsáveis na
época pelo Posto Divino Padrão Ltda, pessoa jurídica que também recebeu
dinheiro das empresas de Bernardo Paz.
A Justiça Federal, no entanto, absolveu os
acusados, por considerar que não houve comprovação de que as transferências
efetuadas entre a BMP e o Posto Divino Padrão, embora vultosas, tenham tido
conexão com a lavagem de dinheiro proveniente da sonegação previdenciária.
O MPF recorreu da absolvição, alegando que
o posto era um dos maiores beneficiários de depósitos provenientes da BMP, e
que, de acordo com o Coaf, apresentou movimentação financeira incompatível com
suas atividades e negócios normais. Gustavo e seu irmão Marco Túlio teriam
aceito cheques, em elevadíssimos valores, de caminhoneiros a serviço das
siderúrgicas do Grupo Itaminas, os quais eram descontados, com o pagamento em
espécie de valores a título de "troco".
O Ministério Público Federal também pediu o
aumento das penas impostas a Bernardo e Virgínia, pois “os sentenciados tinham
plena consciência da ilicitude de seus atos, caracterizados por grande
reprovabilidade, especialmente pelo meio e pela repercussão que teve o crime,
pela complexidade e alto vulto dos valores movimentados”.
As informações são da Assessoria de Comunicação Social do Ministério Público
Federal em Minas Gerais
Outro lado
O advogado de Bernardo e Virgínia Paz,
Marcelo Leonardo, afirmou que todas as operações financeiras são regulares. Em
entrevista à TV Globo, Leonardo disse que “eles são inocentes e a decisão é
injusta. Esperamos que seja revertida no Tribunal Regional Federal em
Brasília”.
Segundo o advogado, as operações não
envolvem o Inhotim e tem relação somente com empresas, de outras áreas, das
quais Bernardo era sócio. Além disso, para Leonardo, a condenação de Bárbara é
‘absurda’ pois ela nunca foi gestora das empresas citadas. Bernardo e Bárbara
recorrem em liberdade.
Histórico
Não é a primeira vez que Bernardo paz é
acusado de cometer esse tipo de crime. O Jornal de fato, em sua edição de nº
106, setembro/2009 publicou a matéria “Inhotim –
Bernardo Paz sob suspeita”. À época, Bernardo Paz era acusado de cometer “uma série de
irregularidades”, O jornal
FSP acusava “Bernardo de vários ilícitos, como a acusação de sonegador de
impostos, devedor do Estado, réu em ação penal, fraudador, de usar de laranjas
em seus negócios, operar com empresas fantasmas, ter dinheiro em paraísos
fiscais.” Ainda segundo a Folha, Inhotim valia, em 2009, R$ 365
milhões, mas esse patrimônio teria relações com as operações com empresas fantasmas e dinheiro de paraísos
fiscais, dentre outras acusações.
Benefício do Governo Aécio Neves
O Jornal de fato publicou ainda as
acusações de que Paz teria sido “beneficiado pelo Governo de Aécio Neves (do
PSDB, cujo presidente mineiro, Nárcio Rodrigues, deputado federal apoiado por
Inhotim e fora o candidato mais votado em Brumadinho). O jornal de referiu aos
R$ 20 milhões para a construção de um centro de convenções.
Na época, o Jornal de fato postou uma
enquete em seu blog sobre a questão: 40% dos leitores opinaram que Bernardo seria
“totalmente culpado das acusações”; 20%
dos leitores opinaram que seria “parcialmente culpado das acusações”; 40% não sabiam
opinar. Ninguém opinou na opção: “É totalmente inocente”.
Já em março de 2013, na edição de nº 148, o
Jornal de fato publicou matéria intitulada “Mistérios rondam terreno do Minha
Casa, Minha Vida”. Os fatos envolviam o então governo Nenen da ASA (PV),
Bernardo Paz, o ex-vereador João Moreira e um terreno que seria para o programa
habitacional, que nunca saiu do papel. Ex moradores do povoado de Inhotim,
cujos nomes apareciam em documentos cartoriais negavam veementemente terem
participado das negociações com o proprietário de Inhotim como elas constavam
ali.
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