Edição 178 – Setembro 2015
Opinião
Refavela é Aqui, com Muito Orgulho!

Se uma série de mazelas sociais afligem as favelas
brasileiras, um grande número de iniciativas para transformação dessa realidade
também podem ser encontradas. Projetos de ONGs e fundações empresariais, ações
do poder público e tentativas de dinamizar e modernizar a economia local nas
favelas são algumas das centenas de ações que cotidianamente encontramos nas
favelas brasileiras. Com elas, aparecem muitas promessas de fazer a favela se
reconhecer como comunidade e se revigorar como um lugar no qual gente de bem
constrói uma vida que vale a pena ser vivida. Mas, entre o pessimismo crônico e
a utopia desvairada sobre as favelas, permanece uma realidade social que merece
nossa atenção e cuidado.
Projetos de empreendedorismo em comunidades de baixa
renda e vulnerabilidade socioambiental podem dinamizar processos de geração de
trabalho e renda, fazendo com que recursos financeiros permaneçam em circulação
na comunidade e/ou atraindo recursos externos para dentro dela e ampliando a
qualidade de vida nesse território. Além disso, resultados indiretos de longo
prazo em termos de segurança pública, capacidade de colaboração comunitária e
melhora da autoestima de populações em situação de risco social também podem
decorrer de projetos sociais.
Em diferentes países do mundo existem experiências
muito bem sucedidas de inclusão social com geração de renda e de
sustentabilidade urbana, seja nas nações desenvolvidas, seja na Índia e África
do Sul, por exemplo, além do Brasil, é claro. Alguns exemplos são as hortas
comunitárias urbanas na Inglaterra; serviços de microcrédito e inclusão
financeira na África e Ásia; geração de energia eólica em comunidades indígenas
no Peru; e acesso à água no semiárido brasileiro com o projeto Um Milhão de Cisternas.
Existem no Brasil milhares de projetos de
empreendedorismo social em comunidades em vulnerabilidade. Falta maior apoio de
quem não interage e conhece a realidade das favelas. Empresas, poder público,
ONGs e pessoas físicas podem e devem apoiar projetos de empreendedorismo social
nas comunidades brasileiras, não só em termos de recursos financeiros, mas
também de compartilhamento de recursos humanos, tecnológicos, logísticos,
informacionais e de conhecimento. Existem excelentes projetos brasileiros de
empreendedorismo social, alguns deles que se tornaram referencia internacional.
Na Região Metropolitana de Belo Horizonte, como em várias
outras capitais brasileiras, existem muitas iniciativas bem sucedidas de
empreendedorismo social em diferentes áreas como geração de trabalho e renda,
reciclagem, inclusão da pessoa com deficiência e habitação popular, para citar
algumas iniciativas.
Belo Horizonte passou por um processo de revitalização
das comunidades dos aglomerados, como por exemplo, com o projeto Vila Viva.
Porém, com as obras para a Copa do Mundo, BH foi citada na UN Habitat como
cidade que desrespeitou direitos humanos no descolamento de comunidades para a
abertura de espaço para as obras de mobilidade urbana. Além disso, o volume de
recursos e as políticas públicas para inclusão social e avanço da qualidade de
vida nos aglomerados urbanos em BH deixam a desejar. O tráfico e a
criminalidade são apenas dois dos problemas dos aglomerados e são na verdade
problemas que incomodam mais as classes médias e ricas da cidade. Vários outros
problemas como qualidade de habitação, propriedade da terra, mobilidade urbana
e equipamentos e serviços públicos de qualidade em termos de educação, saúde e
lazer são tão importantes quanto a criminalidade na realidade das favelas.
Um projeto social que seja realmente efetivo e
transformador não deve necessariamente mudar a cultura da periferia. Pelo
contrário, deve se valer das virtudes da cultura de periferia para gerar
inclusão social, elevação da autoestima e encontro entre diferentes pessoas na
cidade, entre pessoas da periferia e das classes média e rica. Atividades
culturais e esportivas como as promovidas pela Central Única de Favelas (CUFA)
demonstram que há muitas virtudes culturais e cívicas nas comunidades e que o
resgate dessa cultura é um dos caminhos para efetivamente transformar a
realidade social em prol da justiça, democracia, inclusão e sustentabilidade.
As principais características que regem a cultura
econômica das comunidades em vulnerabilidade social são a informalidade, baixa
qualidade de produtos e serviços, precariedade de serviços de telefonia e
internet, dificuldade de entrega de produtos comprados fora do aglomerado
urbano e pagamento mais caro por produtos e serviços vendidos de forma mais
barata para as classes média e rica, porque não recorrem ao crediário e podem
comprar muitos produtos para estoque quando estão em promoção. Porém, nos
últimos anos, populações que vivem nos aglomerados estão procurando qualidade,
preço e inovação tecnológica nos produtos e serviços que adquirem, além de se
preocuparem com a educação, saúde complementar e viagens. Então, hoje, os
moradores de favelas no Brasil dizem para as empresas que são consumidores tão
exigentes quanto às classes médias e ricas e que sabem o valor de se investir
em produtos e serviços ligados à educação e cultura. Acabou a era do
"vender produto de pobre para pobre". Esse preconceito deve ser
superado por quem quer fazer negócios com populações que vivem em aglomerados
urbanos.
E para quem me acompanhou até aqui na leitura e está
pensando que essa discussão diz respeito apenas às grandes metrópoles, no nosso
caso, diz respeito à nossa capital, Belo Horizonte, sugiro que olhe com mais
vagar, cuidado e carinho para as bordas da nossa querida Brumadinho.
Infelizmente, vamos encontrar favelas urbanas e rurais que exigem de todos nós,
que temos carinho e nos preocupamos com o futuro de nossa cidade, mais atenção
e mais inovação social para transformarmos essa realidade que começa a nos assustar
com a criminalidade, desigualdade social e péssimo acesso a serviços públicos.
Precisamos reinventar as nossas "Refavelas" em nossa querida
Brumadinho, senão em Brumadinho a canção de Gilberto Gil permanecerá apenas
como uma abstração.
Armindo dos Santos de Sousa Teodósio (Téo)
Professor do Programa de Pós-Graduação em
Administração da PUC Minas
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