Edição 109 – Janeiro/2010
Mudanças questionadas da INTER-FM
Quem liga seu rádio na faixa 89,7 está ouvindo um INTER-FM bem diferente do que era até o mês de dezembro do ano passado. Alguém mais desavisado vai confundi-la com uma Liberdade FM ou coisa parecida: agora, o que se ouve o dia todo são músicas “neo-sertanejas”, tipo Bruno e Marrone, Pedro e Tiago, Edson e Hudson e por aí afora. Apenas isso. Além do rock in roll, música popular brasileira, música caipira de raiz, música dos talentos de nossa terra, etc, desapareceram também das casas dos brumadinenses, vozes conhecidas pelos ouvintes,, algumas há mais de dez anos, como as vozes de Maristela Ricci, Jadir Laureão, Vanúsia de Souza, Leonardo Moreira, Gustavo Dainha e inúmeras outras.
Não é a primeira vez que a rádio INTER FM é vendida pelo Diretor Leci Strada que, paradoxalmente, sempre continuava no comando após “vendê-la”. Desta vez, parece que é diferente: Leci continua, mas parece ter perdido o controle.
O que mudou
Quem conhece a rádio comunitária INTER FM desde sua criação sabe de seu caráter comunitário. É a rádio de Brumadinho que realmente vinha apresentando esse viés comunitário, dando espaço para todas as vozes, a do meio ambiente, das igrejas evangélicas, da Católica, dos espíritas, dos jovens, do Legislativo Municipal, do INSS, das mulheres e até das crianças.
A Inter sempre foi palco de debates, de espaço para a comunidade falar de seus problemas, os grandes e os pequenos. A rádio esteve presente, junto à comunidade, nesses treze anos, ouvindo-a, encaminhando suas demandas, questionando, colaborando. Alguns exemplos ainda estão frescos em nossa memória como as enchentes de 97 e 2008, as diversas eleições, com seus debates ao vivo entre os candidatos e a cobertura dessas eleições e tantos outros eventos. Tudo isso foi pro ar, ou melhor, saiu do ar.
E se saíram essas vozes, o que entrou no lugar, além da música “sertaneja”, foram “comerciais” de outras cidades, como Betim e Belo Horizonte. Até o nome da rádio foi mudado: agora é Inter Regional. É verdade também que alguns locutores mais antigos ficaram. Segundo os que saíram, os que ficaram estão “caladinhos” diante do que anda acontecendo “por pura conveniência pessoal”. Entre os que ficaram estão Eliandro Leal Teles (PSDB) e o ex-petista João Flávio Resende.
A omissão das lideranças e o outro lado
A questão da INTER FM é um caso que envolve muitos lados. Ou pelo menos quatro lados. De um lado temos os colaboradores, que reclamam de terem sido excluídos simplesmente do processo, sem nenhuma explicação plausível. É o caso de Fernando Moreira, que comandava três programas na rádio e foi “demitido” através de um e-mail.
Um segundo lado é o de Vanderlei Pereira Rodrigues, novo “proprietário”.
Um terceiro é de Leci Strada, cujo papel na rádio não sabemos mais qual é, uma vez que não retornou os questionamentos feitos pelo jornal de fato.
E um quarto é a comunidade, os ouvintes, que está se manifestando através de um abaixo assinado, já que lideranças políticas, a Câmara de Vereadores – que sempre contribuiu financeiramente com a rádio e ainda continua anunciando -, os partidos, a prefeitura, Ministério Público etc estão se recusando a discutir uma questão tão fundamental para Brumadinho como é o caso.
Manifestação dos colaboradores e da comunidade
Os colaboradores da INTER, vários deles há anos na rádio, quase sempre sem receber quase nada em dinheiro para isso, se mostram indignados com a forma com a qual as mudanças se deram e com o que chamam de falta de diálogo. Se reunindo várias vezes, preparam algumas ações para tentar reverter a situação. Entre elas está um abaixo-assinado (ver Box), que é o espaço em que a comunidade, ou pelo menos parte delas, está se manifestando. No abaixo-assinado, pedem documentos que podem deixar o novo “proprietário” numa saia justa, além de reivindicarem a reintegração dos colaboradores e ameaçarem fazer denúncia na ANATEL, a “autoridade competente”, no caso.
MANIFESTAÇÃO POPULAR – NÃO DEIXEM ACABAR COM NOSSA RÁDIO COMUNITÁRIA INTER FM 87,9 MHZ – AUTORIZADA PELO MINISTÉRIO DAS COMUNICAÇÕES – ABAIXO ASSINADO.
Nós, abaixo assinados, surpreendidos pelas mudanças na programação da Rádio Comunitária Inter FM pertencente à Associação Comunitária de Radiofusão Cultural, Educativa e Artística de Brumadinho ocorrida a partir do dia 07 de dezembro de 2009 e pela dispensa sumária de vários colaboradores que ali atuam há vários anos e pela falta de transparência ao público quanto a mudança do caráter comunitário para comercial da emissora viemos respeitosamente, solicitar da diretoria e do Conselho Comunitário da Rádio Inter FM, esclarecimentos e documentos relacionados com as mudanças em tela, mudança da grade, utilização de programas, eventos e equipes por novos locutores, atas, outorga, leis de utilidade pública, cópia do estatuto e em que condições os membros comunitários discutiram e aprovaram tais mudanças. Também gostaríamos de saber em que medida a emissora que é autêntica continua atendendo os requisitos da lei de Rádiofusão Comunitária que autoriza e regulamenta as rádios comunitárias em todo o Brasil, cuja Inter FM está inserida e legalmente autorizada pelo Ministério das Comunicações e que seja dada satisfação a todos e havendo interesse dos colaboradores, sua Reintegração dentro dos programas originais: BOM DIA BRUMADINHO, SEMPRE MULHER, INTER CRIANÇA, TÚNEL DO TEMPO, VALSAS BOLEROS E CANÇÕES, TEMPO DE ESPERANÇA, ON THE ROCK, IGREJA NA SOCIEDADE, INTERNOTÍCIAS, INTERIOR, NOITE GOSPEL, HORA DA CIDADANIA, VOCÊ A NOITE E A SAUDADE, PROGRAMA DO NERI, DOMINGO & CIA, EQUIPE DO INTER ESPORTES, O LOUCUTÔ, RITMO DA NOITE, MOMENTO ESPÍRITA, QUATRO QUARTOS, DIÁLOGO COM A LEI, CAMARA É NOTÍCIA, JOVEM COMUNICADOR, PROGRAMA DO INSS, PALCO BRASIL, MEIO AMBIENTE EM FOCO, FALA COMUNIDADE, PAGODEANDO entre outros autênticos e originais de caráter comunitário que serviu Brumadinho desde sua fundação e que por motivos não esclarecidos principalmente aos ouvintes foram retirados ou modificados usando-se de ARTIMANHAS e com interesses que vem em contramão a legislação vigente, sob possibilidade de conhecimento e providências das autoridades competentes.
Brumadinho, 26 de dezembro de 2009
O lado de Leci Strada
Nossa reportagem tentou entrevistar Leci Strada, diretor da Associação responsável pela rádio. No dia 28 de janeiro enviamos mensagem ao diretor fazendo uma série de perguntas que poderiam ajudar o leitor a entender o que está acontecendo com a INTER FM. Entre as perguntas, o jornal quis saber quem é a diretoria da Associação, um dos mistérios que cercam a transação feita nessa nova “venda” da INTER FM
O novo “proprietário” e as mudanças
Respeitando uma regra básica do bom jornalismo, procuramos ouvir também o novo “proprietário” da rádio INTER FM. Usamos as aspas porque, de acordo com a lei que regula as rádios comunitárias no país, uma rádio desse caráter não tem proprietário, é coordenada por uma associação sem fins lucrativos. O próprio Vanderlei Pereira Rodrigues, que teria comprado a rádio, afirma que não pagou nada por ela. “A rádio não foi comprada. O que houve foi uma nova administração”, disse ele em entrevista à reportagem do jornal de fato. Para o próprio Vanderlei, a rádio não poderia ser comprada por ser comunitária, ter autorização federal para funcionar apenas como comunitária.
Para Vanderlei, não aconteceram mudanças ainda. Segundo ele, há “um processo de mudança, ela não ocorreu”. Vanderlei diz que tudo começou porque a rádio estava passando por muitas dificuldades financeiras, correndo o risco de ser fechada, depois que Inhotim cancelou sua parceria, em outubro. “Fui procurado pelo Leci Strada”, conta. Ele defende que apenas em torno de 20 a 30% da programação foi mudada e que todas as mudanças feitas têm por intenção “enxugar a rádio”. “É um adequação financeira para cumprir os compromissos da rádio. Apesar de ser sem fins lucrativos, tem que pagar as despesas, como água, internet, aluguel etc”, explicou, dizendo que os gastos são muito grandes. O fim do programa de manhã, “Bom dia, Brumadinho” tinha um locutor remunerado, segundo Vanderlei. “Como não tínhamos como pagar o locutor, passei a fazer o programa, já que sou da coordenação e não preciso me pagar”, disse.
Quando perguntamos por que a rádioa gora se chama “Inter Regional”, ele disse que já havia 13 anos que ela se chamava Inter e que o nome “já estava massificado” e que o nome Regional “valoriza a nossa região, por ser a única rádio legalizada”. E insistiu em que não houve mudanças: “Inter Regional é de fantasia! Não está mudando! A razão Social é a mesma e continuará”, afirmou Vanderlei.
Falta de diálogo
Quanto à falta de diálogo da qual é acusado, Vanderlei se defende afirmando que tudo foi combinado com todos os antigos colaboradores. “Isso foi acertado com as pessoas. O Amador (se referindo a Amadozinho, que tinha o programa “Valsas, Boleros e Canções” aos domingos) já tinha pedido dispensa, trabalharia só até dezembro. Outros foram coisas colocadas pelo Inhotim e como a parceria acabou, não era viável continuar com eles, eram uns programas da gestão da Carmem (se referindo à Maria Carmem, a Carminha, do jornal Circuito Notícias)”.
Para ele, foi a minoria de programas que saiu do ar e que o programa da Igreja Católica – tradicionalmente feito na “Hora de Ângelo” (às 18 H), que agora passa às 18:30 H e que não é mais ao vivo e sim gravado apenas pelo padre Vicente, houve um acordo com o Pároco.
Segundo ele, “tudo foi acertado com as pessoas”. Foi combinado também com o Leci Strada que sairiam mas que voltariam “os que se adequassem à nova programação da rádio”.
“O que houve foi uma reestruturação dos programas. Estamos de portas abertas para receber todo mundo. Novos programas estão sendo elaborados com participação de membros da sociedade. Continuamos co nosso jornalismo, informando a população sobre os problemas de Brumadinho. Musicalmente mudamos porque é o que atrai mais audiência, estamos tocando sucessos”, afirmou.
O locutor se defende também da insinuação de que a rádio teria aumentado a potência de seu transmissor para além de 25 watts e de que estaria formando rede com outras rádios e linkando, tudo isso proibido para uma rádio comunitária. Segundo ele, nada disso está acontecendo. “A única coisa que fizemos foi trocar a antena daqui do prédio, porque havia problemas nas hastes.”
O mistério da Diretoria
Nossa reportagem tentou descobrir, através de Vanderlei Pereira Rodrigues, quem são as pessoas da Diretoria da Associação Comunitária de Radiofusão Cultural, Educativa e Artística de Brumadinho, ONG que detém a marca “Inter Fm”, ou “Inter Regional FM”. A reportagem perguntou quem toma as decisões na rádio, a que ele respondeu: “A diretoria que continua a mesma coisa.” Mas completou: “A diretoria ainda está num processo de transição”. No entanto, quando a reportagem perguntou se houve mudanças na diretoria, quem entrara e quem saíra, o mistério continuou: “Acho que houve algumas modificações. O Leci é quem saberia responder sobre isso. Como eu já era um antigo colaborador da rádio, faço parte dessa diretora também”, explicou Vanderlei, apesar de não saber explicar quem eram as pessoas da diretoria e se tinham acontecidos mudanças na composição.
Questionado sobre o papel de seus dois irmãos na rádio, Vanderlei disse que um faz um programa à tarde e o outro atende ao público.
Denúncia na ANATEL
Ele esclareceu ainda à reportagem que não tinha notícias de alguma denúncia feita à Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL. “Acho que se tivesse essa denúncia deveriam ser denunciadas as rádios piratas, que estão aí a todo vapor”, disse, referindo-se à outras emissoras de Brumadinho. E terminou sua entrevista afirmando que “Brumadinho precisava dessas mudanças”, dizendo que houve melhoria na qualidade do áudio. “Se é mudança, tem que mudar alguma coisa! Quem ouve a rádio percebe que é para melhor, nunca paras piorar. Mudanças têm perdas e ganhos: pelo que percebemos, a gente ganhou muito mais, novas parcerias estão sendo feitas, o apoio do público é grande, o que a gente agradece.” E terminou dizendo que novas novidades virão, “com certeza para melhor”, garantiu.
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