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segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Edição 119- Nov-dez/2010

Brumadinho ganha mais três “Remanescentes de Quilombo”
Comunidades negras de Marinhos, Rodrigues e Ribeirão acabam de receber título


Alegria, Celebração e Consciência Negra. Essas três palavras definem bem o que foi a festa realizada pelas comunidades de Marinhos, Rodrigues e Ribeirão no dia 21 de novembro. “Estou explodindo de alegria!”, confessou à reportagem do de fato a moradora Leide (mãe de Rose e do músico Rei Batuque, e liderança de Marinhos). “Meu coração está disparado”, completou o esposo, Antônio Alves da Silva, o Cambão, um dos grandes responsáveis pela festa. “A emoção é muito grande!”, completou, com um sorriso imenso. Mas eles não eram os únicos. Quem bem reparasse viria Padre Walterson, no altar, dançando discretamente – e o tempo todo - ao som produzido pelas caixas secas, xiquexiques, violões, e a cantoria linda das mulheres, homens e crianças. A alegria estava estampada no rosto de cada negro e de todos os negros ali presentes: sim, porque ali, todos eram negros, todos estavam irmanados num mesmo sentido, todos os corações batiam no mesmo ritmo, no ritmo afro, num ritmo de quem construiu a grandeza deste país, e na certeza de que a coisa mais idiota do mundo é separar as pessoas pela cor da pele.

Consciência Negra e Ferrous

“Essa certificação tem uma importância muito grande porque isso pode nos ajudar contra a Ferrous para que ela não venha interferir na nossa região”, ressaltou Marilene Delmiro Braga, da comunidade de Ribeirão. Marilene referia-se à mineradora Ferrous Ressources do Brasil, que pretende explorar a Serra da Moeda, fazer um mineroduto até um porto no estado do Espírito Santo e ameaça exterminar várias comunidades da região. Em uma reunião realizada na localidade de Aranha, no dia 10 de abril de 2010 (ver de farto nº 112, Ab/2010), uma das estratégias discutidas pelo movimento de proteção da região foi a busca da titulação de remanescente de quilombo. Isso era importante porque o fato de ter o reconhecido oficial do Governo Federal de remanescente acarreta algumas proteções, como o direito a continuar vivendo na terra em que viveram seus antepassados e vivem agora esses negros.

Cambão, Marilene e dona Ildinha recebem o título

A capela estava toda enfeitada. Quem queria saboreava uma deliciosa feijoada preparada por mulheres da comunidade. A chuva que começou a cair por volta das 15 horas não atrapalhou em nada. Antes de dar início à Missa Conga, Padre Walterson comunicou que seria feita a entrega simbólica da certificação. A certificação oficial foi publicada no dia 27 de outubro no D.O.U. - Diário Oficial da União -, o jornal oficial do Governo Federal.
A entrega foi feita pela vereadora Lilian Paraguai (PT), responsável por todo encaminhamento de documentação e contatos com a Fundação Palmares, órgão responsável pelo processo de reconhecimento. Para fazer a entrega, Lilian convidou o deputado estadual Carlos Gomes, também do PT, e o ex-deputado e Ministro dos Direitos Humanos, Nilmário Miranda (PT), que tem história junto à comunidade, especialmente a de Sapé.
Para receber a titulação, foram convidados representantes das três comunidades, Antônio Cambão, Marilene Delmiro e dona Ildinha, esta da comunidade de Rodrigues. Em sua fala, a vereadora petista lembrou que o mérito da titulação não era seu mas da comunidade e que a Fundação Palmares apenas fazia a certificação. “Quem tem o mérito, quem tem a honra é a comunidade que diz para si mesma: ‘Nós somos negros, nós temos valor, nós somos remanescentes de quilombo’”, frisou Lilian Paraguai. No entanto, a modéstia de Paraguai não foi levada em conta pela comunidade, que insistiu em dizer que fora ela a grande responsável por todo o processo. Cambão falou da “inúmeras idas e vindas”, referindo-se à Lilian como “vereadora amiga”, “pessoa de muita raça”. Antônio cambão aproveitou o momento para agradecer a Lilian pela criação do Conselho Municipal da Igualdade Social, resultado de um projeto de lei de sua autoria. Para provar a gratidão, a vereadora recebeu presentes, como uma boneca “com a cara da comunidade de Marinhos e do Vale do Paraopeba” e uma bolsa bordada por um grupo de 12 mulheres da localidade.
Marilene Delmiro também agradeceu, lembrando da contribuição de Gilmar Matozinhos Martins, de Colégio, um dos mais ardorosos lutadores contra o projeto da Ferrous. Agradecimento feito também por Cambão: “O dedo de Gilmar também está presente nesta titulação”, garantiu, lembrando também que era o momento das comunidades darem as mãos para lutarem por seus direitos, lembrando que ainda faltavam as comunidades de Lagoa e Maçangano receberem a certificação. Ao término da entrega da titulação, explodiu o canto negro na capela: “Um sorriso negro / um abraço negro / negro é a raiz da liberdade!”

Missa Conga

A Missa Conga completou a celebração do dia. “Cativeiro acabou/ Viva Iaiá/ Viva Ioiô/ Viva Nosso Senhor/Cativeiro acabou!” foi uma das inúmeras cantigas entoadas durante a missa. Os tambores vibraram por várias vezes. Na homilia, Padre Walterson lembrou a origem do Dia da Consciência Negra, 20 de novembro, data do assassinato do líder negro Zumbi, guerreiro do mais famoso quilombo, o dos Palmares, que resistiu por mais de 20 anos à perseguição branca nos finais do século XVII. Na origem, a negação à data oficial – 13 de maio -, a negação à concessão feita pela Rainha Isabel e o sim à luta, à resistência, à consciência de cidadãos de direitos e não de esmolas.
Na hora das oferendas, instrumentos musicais, dançarinos de capoeira, rezadores, a corrente lembrando a escravidão. E muitas vivas e assobios.
A festa terminou por volta das 18 horas. Uma festa “com a presença de Deus junto dos irmãos”, como disse à reportagem do de fato Marilene Delmiro, para quem a titulação pode ajudar, “se a comunidade lutar e trabalhar junto”. Que pode trazer melhorias para a comunidade, como acredita Leide. Ou que pode ajudar a comunidade a ter mais voz no Conselho de Igualdade Social, no Conselho da Agricultura e em outras políticas públicas, como acredita Antônio Cambão.

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