Edição 205 – Janeiro 2018
Três histórias; uma reflexão
Por Nídia Maria de Jesus
1ª história
Em uma casa
singela mas que respirava o amor por todos os lados, por todos os meios, por
todos os cantos, vivia uma cadelinha que recebia de seus donos todo esse amor
até que, num manhã chuvosa, receberam um novo morador, um cão esperto, viril,
brincalhão, cheio de tantas qualidades que faziam aquela cadelinha se sentir a
mais ditosa de todas as outras cadelas de sua rua.
Passado algum
tempo, seus donos notaram que a cadela, apesar de ser tão bem cuidada, receber
tanto carinho, se alimentar bem e estar sempre cheirosa, sem contar o amor que
seu companheiro lhe dedicava, não ganhava peso e emagrecia a cada dia.
Preocupados, resolveram acatar a opinião de amigos e castraram-na.
A cirurgia foi um
sucesso e a cadelinha tornou-se mais bela ainda; dormia, dormia e engordava e,
assim, pouco tempo lhe sobrava para brincar com o seu companheiro. Estava
sempre cansada. Já ele, viril como era, não perdia uma só cadela no cio, das
suas redondezas, fosse ela feia, magra, gorda etc. gostava de estar com sua
companheira mas essa, indiferente, dormia e perdia a vontade de viver, até que,
numa noite fria, ela partiu para onde não havia castração. Seu cãozinho querido
se entristeceu por algumas horas apenas e voltou à sua vida de garanhão
conquistador...
Mas cão é cão;
perdoa sempre e esquece rápido. Já nós, humanos, não vivemos só de instintos; o
sentimento sempre fala mais alto e, se o amor for verdadeiro, a sexualidade
nesses casos é quase imaginária, podendo assim ter uma vida feliz. Talvez seja
essa a melhor forma de encontrar a tão sonhada felicidade.
2ª história
Já nessa 2ª
história, o cenário é um pouco mais feliz e menos complicado. Nela, o cãozinho
foi o que sofreu uma cirurgia de emergência e perdeu a virilidade. Sua
companheira o amava muito e estava sempre perto dele lhe oferecendo carinho e
atenção; menos nos dias de cio. Nesses dias ela saía toda renitente à procura
de algum macho que saciasse seu desejo sexual. Fazia sua escolha e, em seguida,
voltava toda amorosa para junto de seu amado companheiro. Esse, por sua vez, a
entendia e a perdoava e assim viveram felizes para sempre.
3ª história
Vou começar essa
com um dito popular: “Errar é humano. Perdoar é canino”. Esse tipo é tão real como
a história que agora narro.
Certo senhor, cheio
de beleza e virilidade, era visto e invejado pelos seus amigos e inimigos
também como um Dom Juan, um conquistador que despedaçava os corações das
mulheres de sua cidade. Mas ele, despreocupado, gozava a vida sem pensar que um
dia tudo passaria, a juventude, a saúde etc. Foi assim que, entre excessos e
deslizes, seu corpo gritou tão alto que foi necessário passar por uma arriscada
cirurgia. Orgulhoso, sofria calado, mas sem perder a fé em Deus e por isso nutria
uma esperança de um dia voltar ao que era antes: “um macho” porque homem ele
nunca deixou de ser. E que homem! Era querido pela maioria, principalmente
pelas mulheres. E dentre essas havia uma que o amava de verdade. Para ela, ele
era o mais carinhoso, o mais completo e o pouco tempo que passavam juntos valia
como uma vida sonhada por ela durante muitos anos.
Mas ele não
aprendeu a amar, e assim não compreendia os seus novos sentimentos que a cada
dia se tornaram mais confusos em sua mente. Teve medo de se perder no amor e
decidiu se afastar aos poucos daquela mulher que o aceitava com suas limitações.
Mas antes ele precisava, com sua rudez, com seu orgulho, humilhá-la para assim
fazer valer o seu machismo. Ela o entendia e insistia, batendo na mesma tecla,
sabendo que o amor sempre vence e também porque, quando estavam a sós, sentia
que ele era também feliz. Só que ele não tinha a coragem de assumir que também
a amava. Foi uma pena; um precisava do outro e o tempo passava veloz. Não eram
mais jovens. Ele tinha medo, ela tinha coragem e não se envergonhava de expor
seus sentimentos, mas estava cansada, desencantada e se enfraquecia a cada dia.
Sempre estivera em busca do verdadeiro amor. O encontrara, mas não havia mais
tempo de lutar por ele. Já ele, insensível e indiferente, não notava a dor
daquela mulher com tanto amor a doar. Um amor que só aumentava na mesma
proporção que aumentava o seu sofrimento causado pelo orgulho e maus tratos
verbais dele.
Até que, numa manhã
chuvosa, tomou uma decisão: esqueceria aquele homem que, um dia, habitara seu
coração. Perdeu a vontade de viver, mas não perdeu a vontade de ajudar a
minimizar o sofrimento daqueles que também sofriam por razões diversas. De vez
em quando era enfraquecida pelo seu sofrimento, fazendo-a sentir-se incapaz na
obra de Deus por não entender porque o seu amor não conseguira vencer. Era uma
fracassada. Mesmo assim direcionou seu amor para outros valores morais,
esperando o dia de voltar à pátria espiritual. Já ele, indiferente ao seu
sofrimento, vivia como um autômato, trabalhando mais do que podia, enriquecendo
a cada dia mais e assim atraindo para si aquelas que passam por cima de
qualquer sentimento nobre, para conseguir algum bem material. Com esse assédio,
ele fingia ser o conquistador de outrora até que chegou o dia de sua
consciência aflorar com todos os ingredientes que acompanham o orgulho para
assim ele poder avaliar o que é sofrer e o que é amar. Mas era tarde demais.
Ela não mais acreditava que o amor sempre vence. Acreditava, sim: que não
devemos deixar de lutar pelo amor, mas que devemos lutar sabendo que não são
todos que merecem ser amados com tanta intensidade porque nem todos foram
preparados para receber amor.
* Nídia Maria de Jesus, moradora do bairro
São Sebastião, é poeta, venceu vários concursos de poesias do jornal de fato
Nenhum comentário:
Postar um comentário