Edição 161 – Abril/2014
Opinião
Contra o racismo nada de bananas, nada de
macacos, por favor!
Por Douglas Belchior
A foto da esquerda todo mundo viu. É o
craque Neymar com seu filho no colo e duas bananas, em apoio a Daniel Alves e
em repulsa ao racismo no mundo do futebol.
Já a foto à direita, é do pigmeu Ota Benga,
que ficou em exibição junto a macacos no zoológico do Bronx, Nova York, em
1906. Ota foi levado do Congo para Nova York e sua exibição em um zoológico
americano serviu como um exemplo do que os cientistas da época proclamaram ser
uma raça evolucionária inferior ao ser humano. A história de Ota serviu para
inflamar crenças sobre a supremacia racial ariana defendida por Hitler. Sua
história é contada no documentário “The Human Zoo”.
A comparação entre negros e macacos é
racista em sua essência. No entanto muitos não compreendem a gravidade da
utilização da figura do macaco como uma ofensa, um insulto aos negros.
Encontrei essa forte história num artigo sensacional que li dia desses, e que também
trazia reflexões de James Bradley, professor de História da Medicina na
Universidade de Melbourne, na Austrália. Ele escreveu um texto com o título “O
macaco como insulto: uma curta história de uma ideia racista”. Termina o artigo
dizendo que “O sistema
educacional não faz o suficiente para nos educar sobre a ciência ou a história
do ser humano, porque se o fizesse, nós viveríamos o desaparecimento do uso do
macaco como insulto.”
Não, querido Neymar. Não somos todos
macacos. Ao menos não para efeito de fazer uso dessa expressão ou ideia como
ferramenta de combate ao racismo.
Mas é bom separar: Uma coisa é a reação de
Daniel Alves ao comer a banana jogada ao campo, num evidente e corriqueiro ato
racista por parte da torcida; outra coisa é a campanha de apoio a Daniel e de
denúncia ao racismo, promovida por Neymar.
No Brasil, a maioria dos jogadores de
futebol advém de camadas mais pobres. Embora isso esteja mudando – porque o
futebol mudou, ainda é assim. Dentre esses, a maioria dos que atingem grande
sucesso são negros. Por buscarem o sonho de vencer na carreira desde cedo,
pouco estudam. Os “fora de série” são descobertos cada vez mais cedo e depois
de alçados à condição de estrelas vivem um mundo à parte, numa bolha. Poucos
foram ou são aqueles que conseguem combinar genialidade esportiva e alguma
coisa na cabeça. E quando o assunto é racismo, a tendência é piorar.
E Daniel comeu a banana! Ironia? Forma de
protesto? Inteligência? Ora, ele mesmo respondeu na entrevista seguida ao jogo:
“Tem que ser assim! Não vamos mudar.
Há 11 anos convivo com a mesma coisa na Espanha. Temos que rir desses
retardados.”
É uma postura. Não há o que interpretar.
Ele elaborou uma reação objetiva ao racismo: Vamos ignorar e rir!
Há um provérbio africano que diz: “Cada um
vê o sol do meio dia a partir da janela de sua casa”. Do lugar de onde Daniel
fala, do estrelato esportivo, dos ganhos milionários, da vida feita na Europa,
da titularidade na seleção brasileira de futebol, para ele, isso é o melhor – e
mais confortável, a se fazer: ignorar e rir. Vamos fazer piada! Vamos olhar
para esses idiotas racistas e dizer: sou rico, seu babaca! Sou famoso! Tenho 5
Ferraris, idiota! Pode jogar bananas à vontade!
O racismo os incomoda. E os atinge. Mas de
que maneira? Afinal, são ricos! E há quem diga que “enriqueceu, tá resolvido”
ou que “problema é de classe”! O elemento econômico suaviza o efeito do
racismo, mas não o anula. Nesse sentido, os racistas e as bananas prestam um
serviço: Lembram a esses meninos que eles são negros e que o dinheiro e a fama
não os tornam brancos!
Daniel Alves, Neymar, Dante, Balotelli e
outros tantos jogadores de alto nível e salários pouca chance terão de ser
confundidos com um assaltante e de ficar presos alguns dias como no caso do
ator Vinícius; pouco provavelmente serão desaparecidos, depois de torturados e
mortos, como foi Amarildo; nada indica que possam ter seus corpos arrastados
por um carro da polícia como foi Cláudia ou ainda, não terão que correr da
polícia e acabar sem vida com seus corpos jogados em uma creche qualquer.
Apesar das bananas, dificilmente serão tratados como animais, ao buscarem vida
digna como refugiados em algum país cordial, de franca democracia racial, assim
como as centenas de Haitianos o fazem no Acre e em São Paulo.
O racismo não os atinge dessa maneira. Mas
os atinge. E sua reação é proporcional. Cabe a nós dizer que sua reação não nos
serve! Não será possível para nós, negras e negros brasileiros e de todo o
mundo, que não tivemos o talento (ou sorte?) para o estrelato, comer a banana
de dinamite, ou chupar as balas dos fuzis, ou descascar a bainha das facas.
Cabe a nós parafrasear Daniel, na invertida: “Não tem que ser assim! Nós
precisamos mudar! Convivemos há 500 anos com a mesma coisa no Brasil. Temos que
acabar com esses racistas retardados, especialmente os de farda e gravata”.
Quanto a Neymar, ele é bom de bola. E como
quase todo gênio da bola, superacumula inteligência na ponta dos pés. Pousa com
seu filho louro, sem saber que por ser louro, mesmo que se pendure num cacho de
bananas, jamais será chamado de macaco. A ofensa, nesse caso, não fará sentido.
Mas pensemos: sua maneira de rechaçar o racismo foi uma jogada de marketing ou
apenas boa vontade? Seja o que for, não nos serve.
Sou negro, nascido em um país onde a
violência e a pobreza são pressupostos para a vida da maior parte da população,
que é negra. Querido Neymar – mas não: Luciano Hulk, Angélica, Reinaldo
Azevedo, Aécio Neves, Dilma Rousseff, artistas e a imprensa que, de maneira
geral, exaltou o “devorar da banana” e agora compartilham fotos empunhando a
saborosa fruta, neste país, assim como em todo o mundo, a comparação de uma
pessoa negra a um macaco é algo culturalmente ofensivo.
Eu como negro, não admito. Banana não é
arma e tampouco serve como símbolo de luta contra o racismo. Ao contrário, o
reafirma na medida em que relaciona o alvo a um macaco e principalmente na
medida em que simplifica, desqualifica e pior, humoriza o debate sobre racismo
no Brasil e no mundo.
O racismo é algo muito sério. Vivemos no
Brasil uma escalada assombrosa da violência racista. Esse tipo de postura e
reação despolitizadas e alienantes de esportistas, artistas, formadores de
opinião e governantes tem um objetivo certo: escamotear seu real significado do
racismo que gera desde bananas em campo de futebol até o genocídio negro que
continua em todo o mundo.
Eu adoro banana. Aqui em casa nunca falta.
E acho os macacos bichos incríveis, inteligentes e fortes. Adoro o filme
Planeta dos Macacos e sempre que assisto, especialmente o primeiro, imagino o
quanto os seres humanos merecem castigo parecido. Viemos deles e a história da
evolução da espécie é linda. Mas se é para associar a origens, por que não
dizer que #SomosTodosNegros ? Porque não dizer #SomosTodosDeÁfrica? Porque não
lembrar que é de África que viemos, todos e de todas as cores? E que por isso o
racismo, em todas as suas formas, é uma estupidez incompatível com a própria
evolução humana? E, se somos, por que nos tratamos assim?
Mas não. E seguem vocês, “olhando pra cá,
curiosos, é lógico. Não, não é não, não é o zoológico”.
Portanto, nada de bananas, nada de macacos,
por favor!
Douglas Belchior é Professor e ativista
social, militante do Movimento Negro, Movimento de Cursinhos Comunitários.
Texto publicado em Carta Capital, em 27/4/14
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