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segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Edição 168 – Outubro
Governo Municipal é denunciado por descumprimento de leis e supostos atos de corrupção
Recusa em prestar informações à Câmara, gratificações para contratados, gratificações que podem estar sendo pagas sem a prestação do serviço, horas extras suspeitas podem ser verificadas na documentação apresentada na denúncia
Vereadores livram prefeito que terá que enfrentar a Justiça


O Município viveu clima tenso nesse mês de novembro. No dia 13, a Câmara Municipal recebeu denúncia formal contra o prefeito Brandão, pedindo abertura de Comissão Processante e consequente cassação do mandado do prefeito do PSDB. Surpreendidos com a denúncia e sem ter tido acesso a ela antes da reunião do Plenário, os vereadores fizeram um acordo depois que o vereador Reinaldo Fernandes (PT) apresentou um Requerimento solicitando o adiamento da discussão. O Vereador defendeu que era preciso que os edis lessem antes os documentos para poderem se posicionar.

As denúncias

No dia seguinte, os documentos foram distribuídos aos vereadores, quando puderam verificar as denúncias apresentadas por Guilherme Augusto Braga Morais.
O documento fazia duas denúncias, ambas acompanhadas de documentação. A primeira dizia respeito ao fato de o Prefeito não responder às deliberações de pedidos de informações votadas e aprovadas pelo Plenário da Câmara Municipal. À denúncia, primeiro com 53 páginas e, depois, com novos documentos, 89 páginas, foram anexados 11 (onze) Requerimentos aprovados pelos vereadores. Um deles era de autoria da vereadora Renata Parreiras (PSB), seis eram da autoria de Alessandra de Oliveira (PPS) e quatro de Reinaldo Fernandes (PT). Eram requerimentos aprovados desde 30 de janeiro de 2013, e que não obtiveram respostas do Prefeito, o que constitui-se ilegalidade nos termos do Decreto-lei federal 201/67, mesma lei em que foi baseada a cassação do ex-prefeito Cândido Amabis Neto, o Gibiu. Os Requerimentos solicitavam informações sobre imóveis cedidos a particulares pela Prefeitura, informações sobre cargos de servidores, sobre terrenos do Município cedidos a particulares pela Prefeitura, pagamento de indenizações e sobre o contrato do Município com a COPASA e as razões pelas quais a Administração não cumpria leis, como a que acabou com a Taxa de Esgoto em Brumadinho. Alguns dos Requerimentos foram aprovados uma vez, e, diante da recusa da Administração de responder, foram novamente aprovados por todos os vereadores, mas mesmo assim o Prefeito recusou-se a enviar as informações. Sobre a COPASA, por exemplo, foram aprovados pedidos de informações duas vezes, sendo uma delas em 27 de fevereiro de 2014, outra em 14 de agosto, ambos sem resposta. Sobre Folha de Pagamento dos servidores, foi aprovado um mesmo Requerimento em 14 de agosto e 8 de outubro e outros também sobre Folha de Pagamento em 21 de fevereiro de 2013, 13 de fevereiro de 2014, e 9 de outubro de 2014.
Tanto o Regimento Interno da Câmara Municipal quanto a Lei Orgânica de Brumadinho, e ainda as Constituições Estadual e Federal, e, agora, a Lei Federal nº 12.527, de 18/11/2011, garantem aos vereadores o acesso a quaisquer informações públicas e cabe ao prefeito o dever legal de respeitar essas leis. Mesmo assim, a Prefeitura recusou-se a prestar as informações à Câmara de Vereadores.

Gratificações ilegais

A outra parte da denúncia apresentada dizia respeito às gratificações de função. De acordo com o § 1º do art. 96 da Lei Complementar Municipal 39/2004, só servidores efetivos, se estiverem prestando outros serviços que não os de seu cargo, poderão ser gratificados. Diz o § 1º: “Art. 96. ...
§ 1º. A gratificação por encargos eventuais poderá ser concedida, por tempo determinado, ao servidor do Quadro Permanente de Pessoal, quando, por necessidade da administração, o mesmo assumir atribuições que não se incluam em seu desempenho regular, comprovada a experiência, habilitação ou formação para o desempenho da função.” O parágrafo segundo diz que o pagamento “dependerá de ato prévia e devidamente motivado”
Segundo a denúncia, o Prefeito deu “prejuízo ao erário, com o consequente enriquecimento ilícito de alguns servidores, ao conceder gratificação (...) beneficiando servidores que não são do quadro Permanente da Administração”.  
Como diz o texto da lei, a gratificação a) “deve ser por tempo determinado;” b) “deve ser concedida apenas ao quadro permanente de pessoal”; e c) “somente quando [o servidor] assumir atribuições que não se incluam em seu desempenho regular”, como consta da página 87 da denúncia assinada por Guilherme Morais.
O denunciante defendeu que “contratados a título precário, com contrato administrativo, para um cargo específico, passa a receber a gratificação sem qualquer justificativa plausível”.
“No mesmo sentido, há comissionados – que obviamente não são do Quadro Permanente – que recebem a gratificação”, continua o denunciante. “lado outro, a legislação estabelece que a gratificação deve ter prazo determinado. Há beneficiados – amigos do prefeito – que recebem a gratificação há mais de um ano”, continua.

Infração político-administrativa

O denunciante defendeu que as práticas do prefeito Brandão (PSDB) são tipificadas no Decreto-Lei 201/67 e transcreveu o art. 4º, caput e incisos III, VII e X:
“Art. 4º São infrações político-administrativas dos Prefeitos Municipais sujeitas ao julgamento pela Câmara dos Vereadores e sancionadas com a cassação do mandato:
III - Desatender, sem motivo justo, as convocações ou os pedidos de informações da Câmara, quando feitos a tempo e em forma regular;
VII - Praticar, contra expressa disposição de lei, ato de sua competência ou omitir-se na sua prática;
X - Proceder de modo incompatível com a dignidade e o decoro do cargo. “
No mesmo artigo, há ainda outros dois incisos que o Denunciante poderia ter citado, que são os I e VIII, que vão na mesma direção e se aplicariam às acusações:
“I - Impedir o funcionamento regular da Câmara;
VIII - Omitir-se ou negligenciar na defesa de bens, rendas, direitos ou interesses do Município sujeito à administração da Prefeitura”.

“Assim sendo, o Denunciado, ao não responder os requerimentos da Câmara, de uma só vez, praticou conduta descrita nos incisos II e X, do art. 4º, do Decreto lei 201/67. Por sua vez, ao conceder gratificação a servidores que não são do quadro permanente, cometeu o Prefeito a conduta tipificada no inciso VII, do art. 4º, do Decreto lei 201/67”, diz o Denunciante à pagina 84.
Por fim o denunciante fez os pedidos de “recebimento da denúncia”, “instauração de Comissão processante” e que “ao final, condenado o Denunciado à perda de seu mandato” (pág. 84.)


Dezenas de gratificações para cargos que não são do Quadro Permanente

O jornal de fato teve acesso à Denúncia e às 62 (sessenta e duas) páginas da Folha de Pagamento da Prefeitura Municipal de Brumadinho que estão anexadas a ela. Parte dela, referente ao mês de outubro de 2013; oura parte, de janeiro deste ano de 2014. O jornal analisou a documentação e constatou que consta da Folha pagamentos a servidores que não são do Quadro Permanente, ou seja, não são concursados, são apenas contratados pelo prefeito Antônio Brandão (PSDB) a partir de 1º de janeiro de 2013, quando ele tomou posse. São milhares de reais pagos a esses servidores indevidamente.
Segundo a análise feita pelo jornal, são 39 casos de pagamentos de gratificações, excetuando os casos de professores que recebem legalmente gratificação pela função de diretor (a) ou Vice ou Coordenador de Escolas. O número de 39 já é, por si mesmo, bastante preocupante. Pagamento de gratificação não é algo muito comum porque trata-se de situações excepcionais. São os casos de tarefas que só precisam ser feitas de vez em quando, são “encargos eventuais”, como diz o texto da Lei 39/2004. Um exemplo é a Comissão de Licitações da Câmara Municipal. Como as licitações são poucas, gratifica-se um servidor para participar da Comissão, ao invés de contratar um novo servidor para um cargo que tem muito pouco serviço. 
Dos 39 casos, apenas 6 deles são de servidores do Quadro Permanente. Daí que todas as outras 33 gratificações são ilegais, já que a Lei é clara ao afirmar que a gratificação “poderá ser concedida, por tempo determinado, ao servidor do Quadro Permanente de Pessoal”.
Um caso que a Prefeitura provavelmente não conseguirá explicar é o da “Analista da Administração” M. L. L. O. – página 38 da denúncia. Ela tinha, em janeiro de 2014, antes do reajuste de abril deste ano, salário base de R$ 2.714,00 e Gratificação de 1.628,00. Acontece que M. L. L. O. é a secretária de uma Secretária Municipal de Governo. Deve ser difícil convencer alguém de que a servidora exerce outras atividades que não a de ser recepcionista/secretária.  

Gratificações suspeitas

Mesmo as 6 gratificações a “Servidor do Quadro Permanente de Pessoal” são suspeitas. Exemplo disso é o “Agente Condutor I”, E. N. B., documento à pagina 14. “Agente Condutor” na Prefeitura significa “Motorista”. É de conhecimento até do senso comum que um motorista da Prefeitura, quando não está dirigindo em direção a algum lugar, ou seja, quando não está exercendo sua tarefa, fica à disposição de sua chefia, esperando uma ordem para buscar ou levar alguém a algum lugar. Então é muito difícil de se explicar que um motorista receba 85% a mais de seu salário como gratificação por estar com algum outro “encargo eventual” que não seja dirigir um veículo.
Outro exemplo é de outro motorista, D. V. F., pág. 56, que também recebe 85% de gratificação por “encargo eventual”.
Já a “Agente Administrativa” E. G. S., pág. 54, tem salário de R$ 1.644,50 e gratificação de 75%, ou seja, R$ 1.233,38, além de receber “prêmio” de R$ 493,35. Ora, de acordo com a lei 1.777/2010, Plano de Cargos e  Carreiras da Prefeitura, uma Agente Administrativa deve exercer “atividades burocráticas e técnicas em administração, Arquivo, Digitação, Secretaria escolar, Elaboração e revisão de Textos, Contabilidade, Tesouraria e Técnicas das áreas necessárias à administração”. Ou seja, as atividades são tantas que fica quase impossível que ela exerça atividades diferentes dessas.

Gratificações e Horas Extras

As gratificações supõem que o servidor fará um trabalho “eventual”, que não é seu. Já Horas Extras justificam-se pelo excesso de serviço: se o servidor não consegue executar tais atividades nas suas horas de trabalho (geralmente 8), ele pode trabalhar e receber eventualmente horas extras, até o limite de 2 por dia. Ou seja, para quem trabalha 40 horas semanais, o máximo que conseguirá fazer, de acordo com a Lei, é 10 horas por semana, no máximo 44 por mês, o que já seria muito suspeito, já que as horas extras devem ser coisa “eventual”.
Curiosamente, R. J. A., pág. 2, recebeu R$ 454,38 em horas Extras no mês de outubro de 2013, equivalente a 32,38% de seu salário mensal. Como ele é Agente Fiscal, tem carga horária de 40 horas semanais, 220 mensais, tem salário de aproximadamente R$ 6,38 por hora, R$ 9,57 por hora extra. Para receber R$ 454,38, teria que fazer 47,47 horas extras, ou seja, 2 horas durante 24 dias. Mas como ele não trabalha no sábado, mesmo que fizesse 2 horas todos os dias, o que não é comum a um Agente Fiscal, conseguiria fazer 46 horas no mês de outubro de 2013, que teve 23 dias úteis. Mas, o m ais curioso é que R. J. A. recebeu também R$ 911,95 de gratificação. Como ele teve que fazer horas extras todos os dias, sem exceção, no limite da Lei, e ainda sobrou tempo para exercer “encargos eventuais”, ou, como reitera a Lei 39/2004, “assumir atribuições que não se incluam em seu desempenho regular” de Agente Fiscal?                 
A mesma curiosidade acontece com M. C. M. – pág. 3 -, J. M. D. A., Agente Fiscal – pág. 6 -, R. O. P. – pág. 1 -, D. H. M. S. – pág. 16 – e C. C. A. B. – pág. 18 - que supostamente precisam de ficar depois de suas 8 horas diárias mas, ao mesmo tempo, recebem de 20 a 85% de gratificação de função.
O caso do Assistente Técnico II C. C. A. B. – pág. 18 - é o mais curioso, e a Administração terá que dar explicações bem convincentes: C. C. A. B., contratado em 2/1/13, tem salário de R$ 1.488,10 e recebe mais metade desse salário em horas extras. Sua carga horária é de 220 horas mensais, o que leva a crer que ele fez 73 horas extras no mês de outubro de 2013. Como o mês teve 23 dias úteis, ele deveria ter feito mais de 3 horas extras por dia, o que é ilegal. E mesmo que ele tivesse feito mais de 3 horas extras em todos os 23 dias do mês, ainda recebeu R$ 1.116,08, 75% de seu salário base como “Gratificação de Função”.          

Servidores recebem “Prêmio”

Alguns servidores recebem um dinheiro que é chamado de “Prêmio”. São os casos do Agente Administrativo W. L. C. – pág. 29 -, R. F. S. – pág. 33 -. H. R. R. – pág. 51 – e E. G. S. – pág. 54. Os “prêmios” equivalem a 30% do salário base.
Nossa reportagem pesquisou na Câmara Municipal e não encontrou nenhuma legislação que permita à Administração o pagamento de “Prêmio” a servidores que não sejam do quadro da Educação. O único “Prêmio” que existe na Legislação diz respeito a apenas 10% do salário base – e não 30% - dos servidores da Educação. Para receber esse prêmio, uma única vez por ano, o servidor não pode ter faltas durante o ano anterior. 
No caso do Agente Administrativo III W. L. C., ele recebeu, ainda, nas férias de janeiro de 2014, além das horas extras, gratificação de função e 1/3 de férias, o “Abono Pecuniário”. Mas três verbas despertam curiosidade: 1/3 sobre férias no Mês (521,66 reais), Abono Pecuniário (782,49), e “1/3 sobre Abono Pecuniário”(260,63). A reportagem do de fato mostrou essa página da Folha de Pagamento a um Gerente de Recursos Humanos e quis saber sua opinião. Ele explicou que “Abono Pecuniário” e “1/3 sobre férias no Mês” é a mesma coisa e que nunca ouvira falar em “1/3 sobre Abono pecuniário”, que isso não existe. Segundo o que explicou à reportagem, “Abono Pecuniário” significa parte (1/3) das férias vendidas e sobre essa parte não incide mais pagamento, por óbvio. Seria o mesmo que 1/3 sobre 1/3, como realmente foi pago sobre o segundo 1/3 (R$ 782,49 : 3 = R$ 260,83). Ou, nas palavras do advogado trabalhista João Batista Camargo Filho: “abono pecuniário é a conversão em dinheiro, de 1/3 (um terço) dos dias de férias a que o empregado tem direito”. No caso, teriam sido pagos duas vezes as férias vendidas e ainda mais R$ 260,83.  


Salário de R$ 10.183,25

Outro dado bastante curioso que aparece à página 33 da denúncia de Guilherme Morais diz respeito a uma Especialista em Saúde. R. C. C. S. tinha salário de R$ 4.427,50, extensão de jornada no mesmo valor e ainda recebe um “prêmio” de R$ 1.328,28, totalizando R$ 10.183,25. Na prefeitura de Brumadinho ninguém tem um salário tão alto. Esse salário só não é maior do que o do prefeito, que é em torno de 17 mil reais mensais. O cargo é de 20 horas e “Extensão de Jornada” realmente existe na Saúde. O problema fica por conta de quem consegue fazê-la: como não há critérios legais claros no art. 39 da lei 1777/2010, quem decide os servidores que terão ou não a extensão de jornada é o Secretário da Saúde, que pode aceitar os pedidos apenas dos “amigos” e aliados.
No caso do “prêmio” de R$ 1.328,28, conforme registramos anteriormente, não foi encontrada nenhuma legislação que permita à Administração o pagamento dessa verba a servidores que não sejam do quadro da Educação.     

Salários iniciais também irregulares

Analisando as páginas da Folha de Pagamento vê-se que os problemas são muitos. Outro que não foi apresentado na denúncia é o salário inicial dos contratados.  Os contratos por tempo determinado são, a rigor, ilegais nos termos do art. 37 da Constituição Federal. Ainda assim, quando são feitos, como é o caso de em torno de 1.000 servidores em Brumadinho, as pessoas só devem ser contratadas no nível inicial do cargo, conforme consta do anexo II – Quadro Permanente de Pessoal da Lei 1.777/2010, Plano de Cargos e Carreiras. No entanto, são inúmeros os casos em que as pessoas foram contratadas dessa forma precária mas tiveram seus salários “engordados” logo na contratação. Como não são do Quadro Permanente, eles não têm carreira, e , portanto, não podem ser contemplados pela Lei 1.777/2010, Plano de Cargos e Carreiras. Só poderiam ser contratados com salários do nível inicial dos cargos, ou seja, na posição vertical I.  No entanto foram mais de 20 casos de contratados nos níveis II, III e IV, apenas das páginas analisadas por nossa reportagem. Exemplos são os cargos de Assistente Técnico II, Assistente Técnico III, Agente Condutor IV, Assistente Técnico IV e Agente Administrativo IV. Nesse último caso, o salário fica em 68% maior do o Nível I.  

Confusão: Prefeitura admite erros, publica portaria, volta atrás, publica outra portaria e contra-ataca, prometendo investigar governo anterior
No dia seguinte da entrega das denúncias na Câmara, a Prefeitura não se moveu para dar alguma explicação à população. Apenas cinco dias depois, tomou alguma atitude. O Prefeito publicou, no dia 18, a Portaria GP N.º 008/2014 em que afirmava que a denúncia fora feita pela Secretária Municipal de Administração, Valéria das Dôres Moreira. O objeto da Portaria não eram as denúncias em si, mas o questionamento dos documentos entregues à Câmara. Dizia o Art. 1º da Portaria:
“Art.1°. – Considerando denúncia formalizada pela servidora Valéria das Dôres Moreira, ocupante do cargo de Secretaria Municipal de Administração, DETERMINAR a instauração de SINDICÂNCIA ADMINISTRATIVA INVESTIGATORIA para apurar ocorrências que envolveram a retirada de documentos de arquivo físico/eletrônico da prefeitura municipal de Brumadinho, sem requerimento e autorização de autoridade competente ou dos interessados.”
Ao não negar os pagamentos das gratificações, formar uma “Comissão de Sindicância” apenas para apurar quem repassara as informações, o Governo Municipal acabou por admitir o pagamento das gratificações ilegais como também faria mais tarde o Vereador Wanderlei Xodó (PV) na Tribuna do Legislativo.
No Art.5°, o Prefeito determinou o tempo dos trabalhos: “A comissão, ora constituída, terá o prazo de 30 (trinta) dias, a partir da data de publicação desta portaria, para concluir a apuração dos fatos, podendo esse prazo ser prorrogado por igual período se necessário.”

Nova Portaria “manda recado” para Governo anterior

Oito dias depois, véspera da reunião da Câmara que votaria pela aceitação ou não das denúncias, o Prefeito Brandão (PSDB) fez nova publicação, a da Portaria GP N.º 020/2014. Dessa vez o Prefeito Brandão (PSDB) informou que a denúncia fora feita por Morais. Curiosamente, o Prefeito Brandão incluiu na Portaria supostas irregularidades que não foram tratadas pelo denunciante, mas que ficam muito visíveis quando da análise da documentação, o pagamento de horas extras e “outras verbas”.
Outra novidade na segunda portaria soou com o ameaça aos apoiadores do ex-prefeito Nenen da ASA. Aliados do ex-prefeito estavam usando as redes sociais para convocar a população para ir à Câmara pressionar os vereadores para aceitarem o pedido de investigação. Ainda pela rede, pressionavam os vereadores. Na segunda Portaria GP N.º 020/2014, Brandão determinou a apuração também de horas extras do Governo anterior, apesar de isso também não constar na denúncia entregue à Câmara.
Dizia o Art. 1º:
“Art. 1.º - Considerando denúncia formalizada pelo Ex Servidor Guilherme Braga Morais, acerca de pagamentos indevidos de gratificações, e horas extras junto à Câmara Municipal, e ao Ministério Público, sendo por este último dada ciência a esta administração, DETERMINO a instauração de SINDICÂNCIA ADMINISTRATIVA INVESTIGATÓRIA para apurar a veracidade e a legalidade dos fatos relativos ao pagamento de gratificações, horas extras e outras verbas, nos períodos de 2009/2012 e de 2013 até a presente data.” (os grifos são do jornal)
Agora, com mais serviço – apurar as horas extras do Governo anterior – a Comissão terá mais tempo, se antes deveria trabalhar até 18 de dezembro, agora terá prazo até 25 de janeiro de 2015, podendo ser estendido; diz o artigo:
“Art. 5.º - A Comissão, ora instituída, terá o prazo de 60 (sessenta) dias, a partir da data da publicação da Portaria de sua nomeação, para concluir a apuração dos fatos, podendo esse prazo ser prorrogado por igual período se necessário.”

Prefeitura divulga “Nota de esclarecimento” mas não nega acusações

No dia 25 de novembro, quase duas semanas depois das denúncias feitas ao Legislativo, Prefeitura Municipal de Brumadinho publicou nota em seu endereço eletrônico e na reder social facebook. Mais uma vez a Prefeitura não negou nenhuma das acusações, nem sobre o pagamento das gratificações e nem sobre o fato de se engar a prestar informações aos vereadores. A nota se limitou a acusar o Denunciante e a dizer que estavam “sendo tomadas as medidas administrativas, policiais e judiciais cabíveis, relativas às informações pessoais de servidores, divulgadas de forma ilegal no município, para elucidação da retirada indevida de documentos de servidores municipais, sem autorização judicial ou dos interessados”. Apesar de uma das acusações ser a negativa de prestar informações ao Legislativo Municipal desde o início do mandato, a Prefeitura garante que tem “COMPROMISSO com a TRANSPARÊNCIA DAS AÇÕES DO GOVERNO”. Em nenhum momento da Nota, a administração de Brandão (PSDB) afirma que fará cessar as ilegalidades ou que esse seria o horizonte de suas ações.

Denúncias são apresentadas também ao Ministério Público de Minas Gerais

A mesma denúncia que foi apresentada à Câmara de Vereadores também foi apresentada por Guilherme Augusto Braga Morais ao Ministério Público de Minas Gerais em Brumadinho. Isso foi feito na data anterior, 12 de novembro. Além de constar da documentação entregue ao Legislativo, a própria Administração corrobora a informação. Em sua “Nota de esclarecimento” a Prefeitura garantiu que “todas as informações a respeito de pagamentos de seus servidores estão sendo disponibilizadas ao Ministério Público”. Na Portaria de 26 de novembro, art. 1º, registrou que o MP já dera “ciência a esta administração” sobre o recebimento da denúncia.

Vereadores recusam-se a investigar as denúncias
Art. 31. A fiscalização do Município será exercida pelo Poder Legislativo municipal, mediante controle externo, e pelos sistemas de controle interno do Poder Executivo municipal, na forma da lei.

Foi uma noite de chuvas e trovões. Palmas e vaias. A Câmara lotada, parecia posse de prefeito e vereadores. “Barraco”, estouro de bomba, correria, Polícia Militar chamada às pressas. E não faltou o tradicional “bate-boca” entre as torcidas. Tudo fotografado por câmeras e celulares. E filmado: pelo menos duas filmadoras foram instaladas para o registro do evento.
A reunião do Legislativo teve início na noite de 27 de novembro, mas só terminou no dia seguinte. Só de inscritos para a tribuna eram 12, mas uma desistiu.

Discussão acirrada, vaias e palmas


Entre os inscritos para a Tribuna, antes mesmo de a denúncia entrar em pauta, três eram vereadores. Os outros nove eram pessoas citadas na denúncia, pessoas não citadas na denúncia mas que tiveram seus nomes veiculados publicamente, parentes dos citados em panfletos anônimos, apoiadores da investigação e aliados do Prefeito contrários à investigação.
Um senhor chamado Mauro Fernando, pregoeiro da Prefeitura, recebeu muitas palmas de quem foi lá pressionar contra a investigação, quase todos servidores municipais, boa parte exercendo cargos de chefia. Mauro Fernando defendeu que o governo é transparente, citando os pregões e a fiscalização da Câmara, mas não negou as acusações.
A Prefeitura optou pela linha de defesa de que as provas eram ilegais, como fez também o vereador Hideraldo Santana (PSC) em sua declaração de voto contra a apuração, embora o próprio vereador saiba que, no que respeita a outra denúncia – recusa do Prefeito em prestar informações à Câmara –, não havia nenhum questionamento sobre a legalidade das provas. Ele mesmo, nos dois últimos anos, acompanhou as negativas da Prefeitura em prestar as informações e até votou o mesmo Requerimento mais de uma vez, sabendo que o Prefeito não tinha cumprido a Lei. A defesa da Prefeitura não quis discutir o mérito das gratificações.
Já o vereador Itamar Franco, suplente que assumiu a vaga deixada pelo Secretário Carlos Mendes (PDT), do mesmo partido do Prefeito (PSDB), gastou quase todo seu tempo lendo uma nota de esclarecimento publicada meses atrás pela Presidente da Câmara, Renata Parreiras (PSB). O discurso de Franco, não o Lacerda, mas o Itamar, foi para questionar a postura de Parreiras, se se ela fosse a autora da denúncia e não Guilherme Morais. Ainda que Renata Parreiras, reconhecidamente de oposição, tenha supostamente colaborado na confecção da denúncia, ali ela estava apenas cumprindo sua obrigação de colocar a denúncia recebida em discussão, como manda a Lei. 

Vereador admite que recebe “gratificação”


Conhecido por ser de muito poucas palavras, o vereador Vanderlei Rosa de Castro, o Xodó (PV), único vereador do mandato anterior que conseguiu se reeleger, foi à Tribuna. Num discurso bastante inflamado, defendeu sua situação e da esposa, que é diretora na escola municipal de Tejuco. Xodó explicou que recebe mesmo a gratificação porque faz horas extras e às vezes tem que se levantar as cinco da manhã para levar pacientes em BH (ele presta serviços na Secretaria de Governo). E que às vezes chega em casa às 18 e 30 horas. Ao que ficou parecendo, o vereador não deve ter sido orientado, a acabou por confessar que as gratificações, pelo mesmo a sua, são ilegais. Como ele mesmo explicou na Tribuna, ele presta horas extras. As gratificações só podem ser dadas, “por tempo determinado”, “por encargos eventuais”, quando o servidor “assumir atribuições que não se incluam em seu desempenho regular”, como diz a Lei 39/2004. Como ele, segundo declaração do próprio vereador, continua apenas fazendo sua função de motorista, não pode receber gratificação por isso.

“Sobre ratos, ratazanas e Gratificações ilegais na Prefeitura Municipal de Brumadinho”

Já o vereador Reinaldo Fernandes (PT) fez um discurso intitulado “Sobre ratos, ratazanas e Gratificações ilegais na Prefeitura Municipal de Brumadinho”. O vereador condenou veementemente as pessoas que nos últimos dias tinham distribuídos panfletos anônimos no Município. Chamou-os de “gente covarde, que não assume o que escreve, gente criminosa”, explicando que o art. 5º da Constituição Federal garante a todos a “livre expressão”, mas que “veda a anonimato”, que é crime.
Os panfletos anônimos já tinham sido repudiados por várias pessoas que tinham usado a tribuna. Fernandes foi o último a falar. O vereador disse que nos panfletos anônimos “não aparecem apenas os nomes dos envolvidos em corrupção, aparece também o nome de quem não tem nada a ver com os atos de corrupção, mas tem seu nome envolvido por um covarde, um criminoso, uma criminosa que faz panfletos anônimos”. O vereador do PT conclamou os presentes a não acharem graça nenhuma em panfletos e cartas anônimas, “uma praga na cultura de Brumadinho”, segundo ele. “Não leiam, não divulguem, não achem graça! Conheço muita gente boa que acha graça em cartas e panfletos anônimos”, disse Reinaldo Fernandes. “Mas não achem! Porque hoje eles colocam o nome de alguém de quem você não gosta, do seu inimigo político, mas amanhã ele vai colocar o seu, de sua mãe, de seu pai, sua filha, de seus parentes” alertou o vereador. Fernandes disse que, em sua opinião, quem produz e distribui panfletos anônimos “por sua atitude, se afasta de sua condição de ser humano, criado à imagem e semelhança de Deus, e, por causa disso, acaba se assemelhando muito a um rato”. E fez sua saudação final: “Boa noite às duas torcidas, quer dizer, a todos! E vamos pro jogo que há ainda muito jogo pela frente!”
 
Vereador Reinaldo Fernandes (PT) discursa sobre
"Ratos, ratazanas e gratificações ilegais na Prefeitura"
Barracos, bomba e Polícia
   
Às 20:55 hs o clima se acirrou tanto que a reunião teve que ser interrompida. Uma senhora, ao ouvir a frase “Mensalão do Brandão”, iniciou um tumulto e a Polícia Militar foi chamada.
Às 21:45, estourou uma bomba ao lado do Plenário, e, novamente, a reunião foi interrompida.      

Denúncia é rejeitada pelos vereadores

Já deveriam ser mais de onze da noite quando a proposta foi colocada em votação. A votação foi nominal: cada vereador era chamado para dize se era contra ou a favor de receber a denúncia par ser investigada. Quando dizia que era contra, recebia os aplausos da torcida de Brandão e se votava a favor da investigação, as vaias, embora o vereador Reinaldo não tenha sido vaiado. Apenas quatro vereadores votaram favor de receber a denúncia: Alessandra Oliveira (PPS), Lucas Machado (PV), Renata Parreiras (PSB) e Reinaldo Fernandes (PT).
Fizeram “declaração de voto” os vereadores Betinho (PROS), Hideraldo Santana (PSC), Lucas Machado (PV) e Alessandra de Oliveira (PPS) e Reinaldo Fernandes (PT). Lucas Machado disse que se a Câmara recebera uma denúncia, assinada, com documentação pessoal do denunciante, que assinou a denúncia, a obrigação da Casa era apurar, e por isso votara a favor da investigação.
O Vereador Helbert Firmino, contrário porque entendia que o pagamento das gratificações eram legais, com “autorização expressa pelo Estatuto dos Servidores Públicos de Brumadinho, não havendo portanto ilegalidade e justificativa para recebimento da denúncia”.
Alessandra de Oliveira disse que a Câmara tinha a “obrigação de apurar todas as demandas apresentadas pelo povo de Brumadinho.”
Já Reinaldo Fernandes disse que era uma situação chata, que envolvia inclusive amigos seus que são da Administração Municipal, lembrou aos presentes que eles sabiam que ele, Reinaldo, apoiara o candidato Brandão, de quem é amigo, mas, como vereador, fora eleito para exercer a função, e que, uma delas, é a de fiscalizar o Executivo. Disse que as denúncias eram preocupantes e que tentara resolver a questão de outra forma. Relatou que se reunira com o Governo e que fizera duas sugestões para resolver o problema: que o Governo tomasse uma atitude imediata para cessar as irregularidades, se é verdade que elas existem; e que, se fossem constatadas irregularidades, que o Prefeito determinasse a devolução do dinheiro pelos servidores que receberam a mais, de forma parcelada. O vereador disse que não recebeu nenhum retorno do Governo. Terminou dizendo que lamentava incomodar os amigos que fazem parte do Governo Municipal, mas, como o Governo não tomara nenhuma atitude concreta, ele, Reinaldo, se via obrigado a acatar a denúncia. “Como vocês viram, quando eu votei já sabia do resultado, sabia que eu já era voto vencido, mas creio que eu não posso ser, nem oportunista, nem omisso, e nem hipócrita”, terminou ele.        
Assim que foi feita a votação e a denúncia rejeitada, a Câmara se esvaziou, ficando apenas parte da plateia.  


Moção pela conquista da Copa do Brasil

Numa reunião que durou mais de cinco horas, em apenas um dos momentos houve um clima mais ameno. Foi quando foi votada a “Moção de Congratulação” apresentada pelo vereador Reinaldo Fernandes (PT).  A Moção parabenizava o Clube Atlético Mineiro, “Galo Doido”, como dizia a Moção, pela conquista inédita da Copa do Brasil. “O mérito dessa moção”, disse Fernandes sorrindo, “é que agora eu consegui juntar as duas torcidas aqui reunidas”. Foi o momento em que havia atleticanos tanto do lado do que defendiam Brandão quanto do outro lado. Nessa hora o auditório ficou descontraído, e nem mesmo os vereadores cruzeirenses que votaram contra a moção foram vaiados.  

Quem é Guilherme Morais 


O jovem, de apenas 21 anos, foi aliado do ex-prefeito Nenem da Asa (PSDB) mas abandonou-o no início da campanha política, passando a apoiar intensamente o atual prefeito, Antônio Brandão (PSDB), liderando a ala jovem que apoiava a candidatura. Assim que Brandão tomou posse, passou a integrar o governo, ao lado do vice-prefeito, Breno Carone, seu companheiro de partido, PMDB. Pouco meses depois deixou o governo junto com o ex-prefeito, que foi praticamente expulso da Prefeitura. Quando Carone assumiu a presidência do Consórcio da Bacia do Rio Paraopeba – CIBAPAR -, Guilherme Morais foi trabalhar com ele.   

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