Edição
215 – Novembro 2018
DIVERSÃO &
ARTE: Crítica Musical – Escuta Musical
Lorde - The
Louvre
Por
Larissa Fernandes*
Tudo está sempre
mudando, sempre. Mas a impressão que a gente tem é de que, hoje, as coisas
estão mudando cada vez mais rápido, embora a gente não consiga dizer exatamente
quais coisas estão mudando, como elas estão mudando, se é bom ou ruim que elas
estejam mudando... É difícil visualizar qualquer coisa estando no centro do
furacão, mas os acadêmicos continuam tentando, sem descanso, por seus meios, e
os artistas, por outros. O fato é que tudo parece muito… rápido.
Sem dúvidas, quem
mais sente na pele essa velocidade são as pessoas jovens. Mesmo que elas não
tenham consciência dessa velocidade, se beneficiam ou padecem dela, de alguma
maneira. Nesse sentido, um ponto da cultura que sempre merecerá atenção, ainda
mais hoje, é a relação das pessoas e dos jovens com a arte, a produção cultural
e a apreciação estética. Alguns pensadores e críticos culturais têm discorrido
sobre como a nossa relação com as mídias audiovisuais está intensificada e
acelerada com a presença das redes sociais e de outras características do nosso
tempo, e muitos artistas também estão produzindo sobre isso, de maneira que a
arte fica quase obrigada a falar sobre si mesma e a metalinguagem é inevitável.
Além da rapidez com a qual a informação é compartilhada, e do grande fluxo de
estímulos estéticos, fica destacada uma questão de performance: é como se, em
seus seguidores do Instagram, todo mundo tivesse sua própria plateia. É como se
todo mundo fosse um artista pop.
Lorde é uma
artista pop que escalou nessa velocidade maluca e provavelmente sente na pele
tudo que tá rolando: aos 17 anos, já tinha um grammy. Apressada. Desde seu
álbum de estreia Pure Heroine,
sucessor de um EP que foi incorporado na versão deluxe do disco, dá pra
suspeitar que ela seria considerada a voz de uma geração, como acabou sendo
chamada pelo jornal espanhol El País. No hit Royals, canção vencedora do grammy, já estão postas questões sobre
música, performance e sobre ser jovem no meio disso tudo: “Mas toda música fala
sobre dentes de ouro, vodka, drogas no banheiro/ (…) E nunca seremos da
realeza, não corre no nosso sangue/ Esse tipo de amor não é pra gente”. O
título da faixa White Teeth Teens
parece uma boa descrição do que é encontrado quando a gente abre o Instagram.
Em Melodrama, seu segundo disco, mais
maduro e complexo, fica ainda mais claro o caráter metalinguístico de seu
trabalho, e ainda mais evidente uma arte que fala sobre si mesma: o próprio
“melodrama” é um gênero dramático, uma maneira de se ver o mundo e contar
histórias; a capa do disco é o que parece ser uma bela pintura a óleo, com luz
e sombra bem marcadas, representando a artista, taciturna, em uma cama, o que
parece ser um momento íntimo, solitário, privado. Merece atenção especial a
quarta faixa do álbum, The Louvre
(sim, o maior museu de arte do mundo).
A própria Lorde
depôs sobre a faixa, no Podcast Exclusivo Spinoff, dizendo: "Eu queria
reproduzir a sensação da “grande idiotice ensolarada” (“big sun-soaked
dumbness”) que é se apaixonar. É tipo como se toda a sua cabeça fosse como
cola, é incrível. É como usar drogas. É tipo 'eu só quero estar com você o
tempo todo, eu só quero ouvir você falar e ver seu rosto fazer todas essas
coisas estúpidas que faz quando você fala. É tipo uma grande alegria idiota e
intensa - e eu sinto que a instrumentação daquela música ajudou a transmitir
isso."
Dessa maneira The
Louvre parece ingênua, não parece consciente dessa pressa das coisas, que nos
invade hoje, e nem da constante transmissão de uma performance. Não parece
refletir sobre sua própria afirmação de que deveria estar exposta no maior
museu de arte do mundo. Porém, conscientemente ou não, mesmo falando de
assuntos típicos da música pop como paixões e relacionamentos, The Louvre tem
camadas, e fala de algo maior.
A chave para
experienciar The Louvre em seu máximo são os versos “broadcast the boom boom boom/ and make 'em all dance to it.”
Transmita, faça uma live, um streaming, publique, dissemine o boom boom boom, e
faça com que todos dançam ao som dele. O boom boom boom poderia ser o próprio
coração de Lorde, seu próprio batimento cardíaco, como o instrumental sugere.
Lorde derrama seu coração na música e molda-o em algo dançante. É uma canção
pop: fala para um “lover”, fala de boom boom booms, mas, musicalmente, não é
tão festiva quanto a terceira faixa,
Homemade Dynamite: em The Louvre, o final, melancólico, tendência que
aparece desde Pure Heroine, é quase triste, como se anunciasse uma perda. A
perda sucede a intensidade e a pressa. Com a pressa, a gente se agita, e depois
padece, porque explodiu com toda a energia que tinha. Provavelmente não é à toa
que Homemade Dynamite precede The Louvre.
A primeira vez
que ouvi o Melodrama, foi de uma vez,
com pressa, com o desespero de quem era uma fã de Pure Heroine, com
praticamente a mesma idade de Lorde, e esperava, já fazia tempo, um novo
trabalho. Não decepcionou: como antes, eu a entendia e ela me entendia. Hoje,
ainda nos entendemos, mas a cada vez que a ouço, a cada intervalo de uma
experiência estética quase sempre rápida e intensa - seu ritmo pop não
permitiria algo muito diferente -, sua música parece ter mais camadas.
O Melodrama é música pop, mas, nem por isso, tem poucas camadas. De
fato, soa como a voz de uma geração. Uma verdadeira obra de arte, que poderia
estar exposta no Louvre! Mas, ironicamente, assim como é irônico que Royals tenha ganhado um grammy e se
tornado parte da “realeza” musical ao reclamar de não fazer parte dela,
Melodrama é uma obra de arte não porque clama ser, em sua capa e título: é uma
obra de arte porque articula camadas, sentimentos e sensações com grande
competência. Porém, pertence ao nosso tempo porque tem pressa, se agita e
depois padece; pertence ao nosso tempo, porque clama, sem vergonha, sem
privacidade, ser uma verdadeira obra de arte, em sua capa e título.
*Larissa
Fernandes é graduanda de Jornalismo da UFMG, artista e
@esmagadinha no twitter, instagram, facebook e youtube
Nenhum comentário:
Postar um comentário