Edição 164 –
Julho/2014
Opinião
Um
evento mais importante que a Copa
Armindo dos Santos de Sousa Teodósio (Téo)
Atualmente, parece haver
uma acomodação da participação popular em canais já tradicionais de abertura do
governo à sociedade, como o orçamento participativo e os conselhos municipais.
Há também tensões e muitos preconceitos de todos os lados em novos espaços nos
quais se tenta avançar na participação popular. O embate político é mola mestra
da “cidadania ativa”, mas não pode dar lugar ao conflito exagerado e
desrespeitoso como temos visto, pautado na destruição do inimigo político sem
que sejam debatidas ideias, propostas, valores e visões que cada grupo defende
para termos um país melhor, uma cidade melhor.
Parece haver no Brasil
contemporâneo um refluxo das dinâmicas participativas que pautaram os avanços,
sobretudo no nível da gestão pública local, alcançados nos últimas décadas. Com
a redemocratização e a ascensão ao poder de partidos políticos de esquerda
começou a se transformar a relação entre sociedade civil e governos. Isso gerou
avanços em diferentes políticas públicas, mas também em uma perda de capacidade
de ação por parte de algumas organizações da sociedade civil, seja pela entrada
nos quadros do governo de ex-líderes de movimentos sociais, seja pelo tom mais
conciliador adotado na relação com o Estado por parte desses mesmos
movimentos.
Por outro lado, a difusão
de noções de cidadania e de sustentabilidade entre a classe média e as empresas
privadas alterou discursos e práticas e trouxe também para a esfera pública
novas demandas desses grupos. A partir daí, a polarização e insatisfação com as
políticas públicas e a qualidade de vida nas cidades se tornaram mais intensas.
Críticas de diferentes dimensões sobre variados problemas sociais são a tônica
em todos os espaços nos quais o cidadão comum pode se manifestar livremente,
sobretudo nas novas mídias sociais. Uma das motivações dos cidadãos para a
participação na tomada de decisão no âmbito local é a compreensão de que os
diferentes riscos (sociais, ambientais, econômicos, políticos, de segurança,
...) ameaçam a todos e é preciso se envolver na busca de soluções para esses
problemas das cidades nas quais moramos.
Porém, as motivações que levam os indivíduos a
lutar pela sua cidadania são variadas e não apenas de caráter solidário,
democrático e voluntarista. Ao contrário do que se pensa, existem motivações
também de caráter individualista e não solidário expressas por aqueles que
clamam para si a condição de cidadão. Essas motivações egoístas, no limite,
fazem parte da construção da própria liberdade democrática, ou seja, a
liberdade e o direito de ter interesses. Ao contrário de determinadas visões,
extremamente simplistas, pautadas pela dualidade entre solidariedade e egoísmo,
cidadania e clientelismo, interesse privado e interesse público, a realidade é
pautada por todos esses processos ao mesmo tempo. Não há no processo político,
ao contrário do que imaginamos, tantos anjos (geralmente vistos como da
sociedade civil) e demônios (geralmente vistos como dos partidos políticos e
empresas). A realidade tem atores com discursos e ações ora de avanço da
cidadania, ora de tensões e contradições em relação a essa mesma cidadania.
A compreensão, pelo menos no nível do discurso,
de que a corrupção estrutura as relações políticas parece ter um efeito dual no
processo democrático atual, pois ao mesmo tempo em que torna indignados os
cidadãos, os afasta do Estado e suas decisões sobre políticas públicas. Mas é
no âmbito do Estado e da vida pública que conquistamos a cidadania, portanto,
não podemos nos abster da política para conquistarmos a cidadania.
Antigas e novas contradições, bem como novas
possibilidades de ampliação da cidadania, se manifestam hoje. Se o nepotismo, o
clientelismo, o paternalismo e o assistencialismo tiveram papel relevante na
construção da cultura política brasileira, atualmente ganham novas roupagens e
se reinventam, mesmo dentro dos processos de participação popular, na medida em
que grupos mais focados em seus interesses do que no interesse público
descobriram como operar nas brechas deixadas na interação entre Estado e
sociedade civil.
Imaginar que nada mudou no “Brasil varonil” é
desconsiderar os avanços democráticos dos últimos anos. Imaginar que tudo mudou
com a indignação atual contra a corrupção parece ser também muita ingenuidade.
Entre esses dois extremos de burrice política, encontram-se as efetivas
possibilidades de transformação social, cultural e política de nosso país.
Você, caro leitor, terá uma decisão a tomar, em breve, pois um evento muito
mais importante do que uma copa do mundo se aproxima rapidamente: as eleições.
Qual decisão tomará? Não importa se vote em A, B ou C, você não pode deixar de
se interessar pela política se quiser que a sua cidadania não seja apenas o
simples direito de votar e ser votado. Brumadinho agradecerá se você conquistar
a tão sonhada “cidadania ativa”.
Armindo dos Santos
de Sousa Teodósio (Téo)
Professor
do Programa de Pós-Graduação em Administração da PUC Minas
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