Busque em todo o blog do Jornal de fato

ENTRE EM CONTATO CONOSCO: defatojornal@gmail.com / 99209-9899
ACOMPANHE-NOS NO facebook.com/jornaldefato

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Edição 164 – Julho/2014
Opinião
Um evento mais importante que a Copa
Armindo dos Santos de Sousa Teodósio (Téo)


Atualmente, parece haver uma acomodação da participação popular em canais já tradicionais de abertura do governo à sociedade, como o orçamento participativo e os conselhos municipais. Há também tensões e muitos preconceitos de todos os lados em novos espaços nos quais se tenta avançar na participação popular. O embate político é mola mestra da “cidadania ativa”, mas não pode dar lugar ao conflito exagerado e desrespeitoso como temos visto, pautado na destruição do inimigo político sem que sejam debatidas ideias, propostas, valores e visões que cada grupo defende para termos um país melhor, uma cidade melhor.
Parece haver no Brasil contemporâneo um refluxo das dinâmicas participativas que pautaram os avanços, sobretudo no nível da gestão pública local, alcançados nos últimas décadas. Com a redemocratização e a ascensão ao poder de partidos políticos de esquerda começou a se transformar a relação entre sociedade civil e governos. Isso gerou avanços em diferentes políticas públicas, mas também em uma perda de capacidade de ação por parte de algumas organizações da sociedade civil, seja pela entrada nos quadros do governo de ex-líderes de movimentos sociais, seja pelo tom mais conciliador adotado na relação com o Estado por parte desses mesmos movimentos. 
Por outro lado, a difusão de noções de cidadania e de sustentabilidade entre a classe média e as empresas privadas alterou discursos e práticas e trouxe também para a esfera pública novas demandas desses grupos. A partir daí, a polarização e insatisfação com as políticas públicas e a qualidade de vida nas cidades se tornaram mais intensas. Críticas de diferentes dimensões sobre variados problemas sociais são a tônica em todos os espaços nos quais o cidadão comum pode se manifestar livremente, sobretudo nas novas mídias sociais. Uma das motivações dos cidadãos para a participação na tomada de decisão no âmbito local é a compreensão de que os diferentes riscos (sociais, ambientais, econômicos, políticos, de segurança, ...) ameaçam a todos e é preciso se envolver na busca de soluções para esses problemas das cidades nas quais moramos.
Porém, as motivações que levam os indivíduos a lutar pela sua cidadania são variadas e não apenas de caráter solidário, democrático e voluntarista. Ao contrário do que se pensa, existem motivações também de caráter individualista e não solidário expressas por aqueles que clamam para si a condição de cidadão. Essas motivações egoístas, no limite, fazem parte da construção da própria liberdade democrática, ou seja, a liberdade e o direito de ter interesses. Ao contrário de determinadas visões, extremamente simplistas, pautadas pela dualidade entre solidariedade e egoísmo, cidadania e clientelismo, interesse privado e interesse público, a realidade é pautada por todos esses processos ao mesmo tempo. Não há no processo político, ao contrário do que imaginamos, tantos anjos (geralmente vistos como da sociedade civil) e demônios (geralmente vistos como dos partidos políticos e empresas). A realidade tem atores com discursos e ações ora de avanço da cidadania, ora de tensões e contradições em relação a essa mesma cidadania.
A compreensão, pelo menos no nível do discurso, de que a corrupção estrutura as relações políticas parece ter um efeito dual no processo democrático atual, pois ao mesmo tempo em que torna indignados os cidadãos, os afasta do Estado e suas decisões sobre políticas públicas. Mas é no âmbito do Estado e da vida pública que conquistamos a cidadania, portanto, não podemos nos abster da política para conquistarmos a cidadania.
Antigas e novas contradições, bem como novas possibilidades de ampliação da cidadania, se manifestam hoje. Se o nepotismo, o clientelismo, o paternalismo e o assistencialismo tiveram papel relevante na construção da cultura política brasileira, atualmente ganham novas roupagens e se reinventam, mesmo dentro dos processos de participação popular, na medida em que grupos mais focados em seus interesses do que no interesse público descobriram como operar nas brechas deixadas na interação entre Estado e sociedade civil.
Imaginar que nada mudou no “Brasil varonil” é desconsiderar os avanços democráticos dos últimos anos. Imaginar que tudo mudou com a indignação atual contra a corrupção parece ser também muita ingenuidade. Entre esses dois extremos de burrice política, encontram-se as efetivas possibilidades de transformação social, cultural e política de nosso país. Você, caro leitor, terá uma decisão a tomar, em breve, pois um evento muito mais importante do que uma copa do mundo se aproxima rapidamente: as eleições. Qual decisão tomará? Não importa se vote em A, B ou C, você não pode deixar de se interessar pela política se quiser que a sua cidadania não seja apenas o simples direito de votar e ser votado. Brumadinho agradecerá se você conquistar a tão sonhada “cidadania ativa”.

Armindo dos Santos de Sousa Teodósio (Téo)

Professor do Programa de Pós-Graduação em Administração da PUC Minas

Nenhum comentário:

Postar um comentário