Edição 202 – Setembro 2017
Editorial 2
Vamos refletir, tranquilamente, sem
preconceitos, sobre os Sem Terra?
Tenho acompanhado o posicionamento político
de algumas autoridades de Brumadinho sobre a ocupação dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra. Acho importante colocar alguns pontos de reflexão.
Comecemos pela divisão da terra em nosso
país. Quem prestou um pouco de atenção nas aulas de História na escola deve se
lembrar. Os índios estavam aqui, desde sempre, e eram, obviamente, os donos da
terra. Aí chegaram os portugueses – a turma do Rei de Portugal e da Igreja
Católica – e invadiram a terra. E porque dizemos invasão, e não ocupação?
Porque os índios já estavam aqui, utilizavam a terra para caçar e plantar, para
sobreviver: não era nem para acumular, nem para especular. Aí os índios foram
escravizados, assassinados, infectados pelas doenças dos brancos e
desrespeitados em sua cultura, enfim, dizimados, em todos os sentidos, sobrando
poucos hoje: de seis milhões restaram em torno de 250 mil!
Aí veio a história das Capitanias
Hereditárias, se lembram da sétima série? O Rei chamou os amigos – eram 13 – e
dividiu com eles o nosso país, coisa pouca de mais ou menos 4.000.000 km² (quatro milhões de quilômetros
quadrados), depois 8.516.000 km² (equivalente a quase 100
Portugal!). Cada uma das 13 famílias ficou com em torno de 308.000 km²
(equivalente a 3 Portugal! Ou mais da metade de Minas Gerais!). E, por causa
disso, ainda hoje, 2017, milhões de brasileiros – inclusive alguns que me leem
– não possuem um lote sequer para assentar sua casa, ou para plantar e
alimentar a si e à sua família. Enquanto isso, gente, bandido, diga-se de
passagem, como Eike Batista, tem milhares e milhares de km² de terra, hectares
mais hectares!
Bom, depois, trouxeram os negros, se
lembram? Os escravizaram, marcaram a ferro e fogo, tratando-os como
animais-mercadorias. Depois das pressões, especialmente da Inglaterra, que via
que, na Revolução Industrial, era muito mais econômico ter assalariados do que
escravos, o Brasil aboliu a escravatura.
Os donos das terras – aqueles que a
herdaram dos donos das Capitanias Hereditárias – chegaram para os negros
e disseram:
“Vocês estão livres!”
Aí os negros perguntaram:
“E para onde vamos, se não temos bem algum,
se não temos roupas, nem terra para plantar, nem casa para morar, nem emprego
para sustentar nossas famílias?”
E o senhor das terras respondeu:
“Ah, então tá! Vocês ficam aqui, trabalham
para mim desde o nascer ao pôr do sol, e eu dou comida e teto enquanto
estiverem aqui. Vocês topam?”
E os negros perguntaram:
“Temos outra saída?”
E o senhor das terras disse:
“Não!”
E os negros ficaram. Ficaram sem terra, e
até hoje, a grande maioria de sua descendência continua sem terra. Entenderam?
Assim como ficaram sem terra os pobres, desde a Colônia. Até hoje, já que o
Brasil é o ÚNICO país da América Latina onde ainda não aconteceu uma Reforma
Agrária de verdade.
Muitos anos se passaram e veio a chamada
Constituição Cidadã, de 1988. Então disse o art. 5º, em seu caput:
“TODOS são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do DIREITO À VIDA, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade.”
Sabiamente, a CF colocou, antes do direito “à propriedade”, o “direito
à vida”. A propriedade, entre os “Os
Direitos e Garantias Fundamentais” aparece em último lugar no caput do art. 5º.
Portanto, para quem sabe ler – e o MST sabe! – o direito à vida, ao local para
morar e plantar é ANTERIOR ao direito à propriedade. Ou seja, a TERRA TEM
FUNÇÃO SOCIAL! Ela deve ser usada pela sociedade, TODA a sociedade, par
produzir!
Outro
aspecto a ser observado, especialmente pelos que acreditam na Bíblia Sagrada, é
aquela passagem em que Deus (Javé) vai entregar Os 10 Mandamentos a Moisés (Ex
20, 1-17). A primeira coisa que Deus falou a Moisés foi: “Tira
as sandálias dos teus pés, porque o lugar em que te encontras é uma terra
santa.” (Êxodo 3, 4-5). A terra não é um bem particular, não pertence aos
homens, pertence a Deus!
Em
seguida, Javé faz é lembrar a Moisés que seu povo era escravo, SEM TERRAS do
Egito: “Então falou Deus todas estas palavras, dizendo: Eu
sou o Senhor teu Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão”.
Mais tarde,
Jesus simplificou os 10 mandamentos num só: “Eu dou a
vocês um mandamento novo: amem-se uns aos outros. Assim como eu amei vocês,
vocês devem se amar uns aos outros.” (Jo 13,34).
A terceira premissa vem do estudo da
Física (que a gente aprende lá no Ensino Médio). É uma das Leis de Newton, a que trata do Princípio da Impenetrabilidade,
que ensina que "dois corpos não podem ocupar o mesmo lugar no espaço ao mesmo tempo". Não se pode ocupar uma terra ocupada, por
óbvio.
Dessas três
premissas – uma legal; outra mística; e a terceira, científica – nascem as
ocupações do Movimento dos Sem Terra, um dos mais importantes e organizados do
Mundo!
Portanto, precisamos fazer um esforço para entender que,
ante de mais nada, não se diz “invasão”, se diz “ocupação”. Invasão seria
chegar, expulsar quem estivesse na terra e dela se apossar. Ora, exatamente por
causa dessa premissa científica, da Física, que os Sem Terra não invadem, eles
OCUPAM: por uma razão científica, só se ocupa o que está DESOCUPADO: "dois corpos não podem ocupar o mesmo lugar no espaço ao mesmo tempo".
A segunda premissa é
mística: foi Deus quem disse a Moisés: “Tira as sandálias dos
teus pés, porque o lugar em que te encontras é uma terra santa.” Porque a terra
pertence a Deus; e se pertence a Deus, pertence a TODOS os filhos de Deus, e
não apenas a alguns!
A terceira premissa é
legal, no sentido de que está NA LEI, na Carta Magna, na MAIOR lei brasileira:
“TODOS são iguais perante a
lei, sem distinção de QUALQUER NATUREZA, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do DIREITO À VIDA, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.”
Diante dessas três premissas, precisamos fazer um esforço, um
movimento dentro de nossos corações, um movimento amoroso, cientifico e legal
para entendermos a posição dos Sem Terra de São Joaquim de Bicas (“Mário
Campos”).
Mesmo que a terra a qual ocuparam fosse de outro proprietário
qualquer, seria uma ocupação legítima, já que a terra tem função SOCIAL, e não
de mercado, e não de especulação. Em outras palavras, a terra existe para que
nela sejam produzidos alimentos, que sirva para abrigar as famílias, nossos irmãos,
mulheres, crianças, jovens e homens. Ocupações devem ser apoiadas, para que se
respeite as leis, as da terra (CF), as da natureza (Física) e as de Deus
(Bíblia).
Além de tudo, as terras são de Eike Batista, que já foi o homem mais rico
do Brasil, o 8º do mundo!; um ladrão, um criminoso, preso preventivamente desde janeiro deste ano, acusado
de pagamento de 52 milhões em propina, lavagem de dinheiro e corrupção. Neste
caso, o que Deus ou a sociedade espera de nós: que fiquemos ao lado dos pobres
ou do bilionário bandido?
No acampamento há
oportunistas? Pode ser que sim, mas onde não há? Na Câmara Municipal de
Brumadinho ou de Bicas? Na Prefeitura? Oportunistas sempre há, em qualquer
lugar. Isso quer dizer que a maioria dos Sem Terra são oportunistas? Não! Quem
tiver dúvidas, sugiro que vá lá, entre no acampamento, veja a situação das
barracas, olhe o rosto das pessoas, tire suas próprias conclusões.
Por fim, é preciso
refletir sobre o argumento que se usa de que os Sem Terra não causarão
problemas porque Brumadinho terá que lhes ofertar serviços, especialmente de
Saúde e Educação. Ora, o SUS, para quem ainda não sabe, é UNIVERSAL, por isso
Sistema ÚNICO de Saúde. Isso quer dizer que TODOS nós podemos utilizar seus
serviços EM QUALQUER LUGAR DO PAÍS, e os trabalhadores do SUS ou o prefeito não
podem se recusar a isso, ou estariam cometendo crime. Além disso, tanto Saúde
como EDUCAÇÃO são custeadas, em grande parte, pelo Estado e pela União (FUNDEB,
no caso da Educação): então o dinheiro que custeia é DE TODOS, incluídos dos
Sem Terra.
E então, vamos pensar um
pouco sobre isso? Vamos fazer um esforço para ver os Sem Terra com outros
olhos? Você topa fazer esse movimento?
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