Edição 202 – Setembro 2017
OPINIÃO
A professora que
morreu tentando salvar crianças em creche na terra do Frota.
Por Kiko Nogueira*
Era uma vez uma professora chamada Heley de Abreu
Silva Batista que vivia em Janaúba, a 547 quilômetros de Belo Horizonte.
Um dia o segurança de uma creche, Damião Soares Santos,
jogou combustível sobre a garotada e em si próprio e ateou fogo.
Heley estava com os alunos no pátio e entrou numa
luta corporal com o vigia. Conseguiu salvar alguns deles passando-os pela
janela. Quatro meninos e uma menina pereceram.
Damião morreu. Heley um dia depois dele, com 90% do
corpo queimado.
Pouco se sabe sobre ela. Tinha 43 anos, era da Pastoral
Familiar, dava cursos para noivos e fazia trabalhos voluntários. Tinha três
filhos, sendo o mais novo de apenas 1 ano.
Há 12 anos, um recém-nascido morreu afogado em uma
piscina. Ela estava grávida na época. “Minha menina salvou tanto anjo”,
disse sua mãe, Valda Terezinha de Abreu, ao jornal O Tempo.
Heley será esquecida amanhã porque a galeria de
salvadores de crianças do Brasil está ocupada por gente como Alexandre Frota,
os milicianos do MBL e outros.
A terra de Heley tem santarrões provocando briga,
incitando a violência e tentando aparecer a qualquer custo acusando artistas de
pedofilia.
São moralistas que, em nome de salvar os pequenos
inocentes, querem atirar seus adversários na fogueira.
Um deputado da bancada evangélica, Sóstenes Cavalcanti,
numa reunião com o ministro da Cultura Sérgio Sá Leitão, exigiu do tremelicante
tecnocrata uma “nota” a favor da censura em exposições.
Ameaçou: “Nós estamos à beira de termos um problema, e
gente sendo ferida, ou até morta, por falta de uma resposta ao ‘time’ da
velocidade da internet. Se acontecer um problema amanhã, eu não quero ser
responsável”.
Esses covardes que inventam riscos e espalham o
terror seriam os primeiros a correr diante do perigo real que Heley
encarou e pelo qual morreu.
Ela
estava todos os dias com suas crianças. Quando o mal surgiu, defendeu-as de
maneira corajosa e altiva. Não inventou um demônio para faturar
com semianalfabetos.
Daqui a
pouco ninguém mais se lembrará de Heley. Já os canalhas que querem salvar as
crianças brasileiras continuarão sendo celebrados no Facebook até que o
pior se torne inevitável.
Publicado em http://www.diariodocentrodomundo.com.br,
no dia 6 de outubro de
2017
*
Kiko Nogueira é Diretor
do Diário do Centro do Mundo. Jornalista e músico. Foi fundador e diretor
de redação da Revista Alfa; editor da Veja São Paulo; diretor de redação
da Viagem e Turismo e do Guia Quatro Rodas.
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