Edição 155 – Outubro/2013
Opinião
Participação
Popular: difícil com ela, pior sem ela
Participação
popular é um elemento essencial para se entender a democracia brasileira. Não
há como falar em democracia apenas se referindo a sistemas políticos que
respeitam regras eleitorais justas e claras. A democracia se constrói com
participação popular e equidade social. Sem esses dois elementos, somados às
eleições limpas, não se pode falar em democracia. O local privilegiado de
construção da participação popular é a gestão pública municipal. Nosso direito
cidadão e nossa obrigação cívica de participar da gestão pública começa em
Brumadinho, nossa terra, nosso território, nossa morada, nosso lar.
A tarefa de fazer
avançar a democracia participativa, tanto por parte da gestão pública quanto da
sociedade, torna-se cada vez mais complexa à medida que a participação popular
avança. Se antes o Estado brasileiro, centralizando suas políticas em Brasília,
tornava a gestão local um mero espaço reprodutor das decisões centrais, agora
gestores e funcionários públicos e sociedade civil precisam dar conta de
demandas, interesses, desejos e vontades distintas que emergem com a liberdade
que o ambiente participativo estimula. E nessa disputa entre grupos com
distintos interesses, atender a alguns, geralmente os mais poderosos e
influentes, é acentuar a desigualdade, minando a própria democracia, ao passo
que querer agradar a todos pode levar ao esfacelamento das políticas públicas,
fazendo-a atender a tudo e todos e não atender ao interesse público. O difícil
equilíbrio entre distintos interesses e desejos é o que Alexis de Tocqueville
chamou de interesse bem compreendido, o sedimento de uma verdadeira democracia.
Em Brumadinho, qual o caráter que a participação popular tem assumido?
Participação
popular é um processo de gestão pública essencial para a democracia, mas de
difícil implementação. Dialogar com um cidadão pouco preparado pode trazer
problemas. Não estou falando dos funcionários públicos mal intencionados, mas
dos bem intencionados, que muitas vezes desistem de dialogar com o público e
passam a orientar o cidadão a fazer isso e aquilo, como se isso fosse o mais
adequado para ele naquela situação. Quem não já presenciou isso na prestação de
serviços públicos, principalmente com pessoas humildes e pouca instrução
formal? Esse é o caminho para a participação e o diálogo com o cidadão se
tornarem assistencialismo e paternalismo. Por isso é que a democracia só avança
e se sedimenta quando parcelas crescentes da população se sentem senhoras de
seu direito e não assistidas por funcionários e gestores públicos bem
intencionados, bonzinhos e carismáticos.
Participação
popular dá trabalho e pode virar "assembleísmo", ou seja, formar-se
sempre uma assembleia ou comissão para se discutir as ideias e propostas de
ação. Assembleias nas quais os participantes não têm poder deliberativo, apenas
consultivo, como ainda acontecem com alguns conselhos de políticas públicas,
podem se tornar espaço de tudo discutir, à exaustão, e nada realizar, pois os
que realmente têm poder de fazer acontecer as decisões no interior da máquina
pública pouco participam e quando o fazem, o fazem com soberba e desprezo pelos
demais. Por isso é que muitos dizem que quando se quer matar uma ideia de
mudança no setor público, basta criar um grupo de trabalho para discuti-la.
Grupos
conservadores sempre estão à sua espreita, munidos de qualquer tipo de
argumento para reduzi-la ou mesmo eliminá-la. Desde chamar o povo de povinho
até dizer que só quando o povo for educado poderá efetivamente participar só
serve para alocar poder sempre para os mesmos. Esses mesmos se acham melhores e
mais educados, mas na verdade, são piores e os mais mal educados, pois falta a
eles o princípio básico da vida em comunidade, a humildade, o respeito pelos
outros e o compromisso com a terra, a comunidade que os ensinou a ser pessoas,
que os acolhe e dá identidade às suas vidas.
Por tudo isso é
que, infelizmente, a frase de Renato Boschi ainda está muito viva na democracia
brasileira: "as práticas de governança e participação podem se constituir
em alternativas fadadas ao insucesso para os que dela mais necessitam: os
pobres e os destituídos de recursos (...) podem terminar por se constituir em
um mecanismo seletivo de conferir aos ricos a política, aos pobres o mutirão, a
quem pode, o poder, a quem não pode, a participação".
E você, querido
leitor, vai conquistar seu direito de participação com o peito cheio de dever
moral que precisamos ter em relação à nossa terra, à cidade que aprendemos a
chamar de terra natal? Ou deixará que outros simulem processos participativos para
colocar na sua mente e nas suas palavras ideias que interessam mais a eles do
que ao interesse público?
Armindo dos
Santos de Sousa Teodósio (Téo)
Professor do
Programa de Pós-Graduação em Administração da PUC Minas
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