Edição 159 – Fevereiro/2014
Opinião
“Dizem que a Mulher é o Sexo Frágil...
... Mas que mentira absurda.” Já faz tempo que essa música do
Erasmo Carlos deixou de tocar nas rádios. Antes, era preciso romantizar a
condição de força, capacidade e tenacidade das mulheres para mostrar de forma
suave que os varões, os homens, também tinham sensibilidade para reconhecer o
valor da mulher para além do estereótipo de delicadeza, suavidade, doçura e
amorosidade.
Dos anos 80 para cá, muita coisa mudou na realidade das
mulheres. Infelizmente, nem tudo mudou e muita coisa não se transformou para
melhor no universo feminino. Hoje, em pleno século XXI, parece coisa de
dinossauro imaginar que as mulheres foram limitadas em seus desejos, projetos
de vida, profissões, vida comunitária e carreira política porque os homens
impuseram isso a elas. Muitos acreditam que tudo isso é coisa do passado. Ledo
engano. As lutas femininas são muitas e precisam ser reinventadas continuamente,
sob pena de “levarem, mas não ganharem”, ou seja, conquistarem muita coisa, mas
não alcançarem sua emancipação.
As relações entre homens e mulheres têm muitas
perspectivas. Uma das mais importantes é pensar que se tratam de relações de
poder. Diante disso, fica mais fácil entender porque ao mesmo tempo em que
muitas conquistas femininas aconteceram, um saudosismo parece tomar conta de
muitos homens. Mulheres no poder como executivas de empresas, à frente dos
governos federal, estadual e municipal e levando a vida sem precisar do arrego
dos homens são hoje cada vez mais frequentes em nosso país. Esse protagonismo
feminino, felizmente, deixou de ser característica apenas dos países nórdicos e
também chegou aos supostamente tradicionalistas, machistas e atrasados países
de cultura ibérica como nós.
Porém, muitas realizações das mulheres se deram à custa
e revelia da própria feminilidade, representando ainda a hegemonia dos valores
machistas, mesmo que agora quem os manifeste sejam as próprias fêmeas. Não se
trata aqui de querer reeditar em pleno novo milênio o ideal da bela dona,
delicada, fofinha, inocente e frágil, que muitos homens ainda esperam
encontrar, sobretudo na cama. A luta pela conquista do poder de forma
autoritária e manipuladora, a separação entre família e trabalho, sempre em
detrimento da família e em prol de mais e mais trabalho, a conquista do sexo e
do gozo à custa de mais e mais parceiros (ou parceiras) de pouca intimidade e
sem nenhum intimismo e a obsessão do corpo em prejuízo da saúde e da própria
identidade são alguns dos inúmeros exemplos dos descaminhos protagonizados
pelas mulheres à frente de uma sociedade que ainda reproduz a visão de mundo e
os valores machistas.
Além disso, cabe destacar que se algumas mulheres em
nosso “Brasil varonil” de muitos varões autoritários já puseram o pé no novo
século, outras parecem viver ainda no início do século XX. São elas as mulheres
pobres, vivendo em situação de vulnerabilidade em diferentes regiões do país,
que sofrem com a dependência econômica em relação aos parceiros, violência
doméstica, exploração e mal uso do dinheiro da família pelos maridos, submissão sexual e controle total de suas
vidas pelos seus machos poderosos, ciumentos e inseguros.
Também cabe destacar que toda uma série de “achismos”
sociais muito superficiais e infelizmente muito frequentes, vangloriando as
mulheres sobre seus supostos superpoderes como líderes mais amáveis,
profissionais mais humanas, pessoas mais íntegras, etc., etc. não passa de
preconceito invertido. É típico do preconceituoso esperar pouco ou nada de
alguém que sofre preconceito, para em seguida, depois que esse alguém faz algo
relevante, sobrevalorizá-lo e superestimá-lo. Os achismos sobre os supostos
superpoderes e aptidões das mulheres não passam de mitos. As habilidades,
competências e realizações não são herdadas geneticamente, são construídas e
conquistadas socialmente.
Mas, uma luta, várias mulheres estão ganhando. Essa
luta ainda é bem desfavorável a elas, porém bastante promissora. É a luta da
mudança cultural mais profunda da sociedade, levando tanto os homens quanto as
próprias mulheres a viverem uma vida mais harmônica sem a fixação da conquista
do poder pelo poder, do sexo pelo sexo e do dinheiro pelo dinheiro. Essa é a
crença do grande sociólogo Alain Touraine, para o qual o “mundo das mulheres”
está chegando. Suas pesquisas demonstram que tanto mulheres quanto homens,
impelidos pelos exemplos das primeiras, estão buscando e sonhando conquistar a
preservação da saúde e também do espírito, o zelo pela casa e também pelo meio
ambiente, o equilíbrio entre trabalho e família e a compatibilização entre
interesses públicos e privados. Esses sim são valores que as mulheres, ao longo
de toda a história da humanidade, souberam melhor demonstrar para nós humanos
do que muitos homens poderosos, que nos desgovernaram por milênios. Quiçá
chegue mesmo o “mundo das mulheres”, porém, como diz Elomar em sua essencial “Cantiga
do Estradar”: “...já passei pur tantas
prova, inda tem prova a infrentá”.
Armindo dos Santos de Sousa Teodósio (Téo)
Professor do Programa de Pós-Graduação em Administração da PUC Minas
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