Edição 184 –
Março 2016
Opinião
O Curso da Reforma Ética
Há razão para a adoção de soluções radicais na política? Quem
está colocando a ética como baluarte do país promete tudo mudar de forma
rápida. Infelizmente, essa indignação muda pouquíssima coisa e perpetua o que
temos de pior em termos de ética no processo político.

Não estamos fazendo uma leitura mais profunda da corrupção que
verseja em nossa sociedade. Multiplica-se a visão distorcida de pensar que
quando formos como os EUA, tudo estará resolvido. Outro equívoco, geralmente
defendido por quem tem curso superior, é imaginar que quando todos os
brasileiros tiverem melhor educação, teremos um país melhor e sem corrupção.
Como se a corrupção, a intolerância e o descaso com o espaço público não fossem
também fortes e evidentes entre os bem nascidos e bem educados, como se fosse
uma peculiaridade do Brasil, sempre pior do que os EUA, e dos pobres pouco
letrados, sempre piores dos que estudam e trabalham em bons empregos.
Trata-se de um total desconhecimento histórico pensar que toda
sociedade acima do Equador (americana e europeia) não teve e não tem corrupção
e possui instituições melhores que as nossas. Desconhecimento de não perceber
que a história do capitalismo americano é cheia de falcatruas envolvendo
políticos e empresários, que perduram até hoje, por exemplo, na indústria
bélica. O mesmo no socialismo da extinta União Soviética, se perpetuando na
pseudodemocracia russa atual, dominada pela aliança entre máfia, políticos e
empresários. O tão admirado Japão, suposto modelo de moralidade pública, também
foi marcado nos anos 90 pelos escândalos denunciando a conexão entre
corporações, governo e a Yakuza (máfia japonesa). E a China, modelo de
crescimento econômico, vez ou outra, executa um corrupto. No sonho ódio
político grandiloquente e ingênuo de alguns, bastaria estabelecer a pena de
morte para se eliminar a corrupção.
Infelizmente, corrupção é uma mazela que nenhuma sociedade
conseguiu erradicar em definitivo. Corruptos são executados desde a Roma
antiga. Depois da "Operação Mãos Limpas" na Itália, que foi a grande
inspiração de Sérgio Moro para a "Lava-Jato", a corrupção voltou a
crescer e se tornou mais difícil de combater, pois as formas de crime se
sofisticaram. O demagogo Berlusconi, através de um discurso moralista, chegou à
presidência italiana. Anos depois, descobriu-se que esse moralismo fazia coro
com os corruptos. O juiz que comandou a operação na Itália entrou para a vida
política e se mostrou um político incapaz, um grande fiasco. Em síntese,
sofisticou-se a corrupção e abriram-se as portas para demagogos, corruptos e
incompetentes na política.
É importante lutar contra a corrupção? Sim. Claro. Corrupção é
intolerável em qualquer lugar do mundo, praticada por quem quer que seja.
Então, como combater a corrupção? Não é o ódio político e a revolução (mudança
abrupta) que trazem soluções eficientes e duradouras no combate à corrupção, mas
sim a inteligência, o trabalho contínuo, o compromisso com o interesse público
para além de manifestações esporádicas e a reforma das instituições
republicanas. A ruptura das instituições, sobretudo a democracia e o direito,
não trazem resultados consistentes na luta contra a corrupção. Os estudiosos do
caso italiano dizem que melhor seria ter combatido cotidianamente a corrupção,
sem estardalhaço na mídia e sem ações abruptas. Ou seja, exatamente o oposto do
que faz Sérgio Moro atualmente.
A mudança vem do trabalho sistemático e constante de
transformação de nossas instituições, através da ação de longo prazo de
organizações da sociedade civil capazes, políticos corretos (há muitos como em
qualquer lugar do mundo), empresas comprometidas com causas sociais e cidadãos
dedicados ao interesse público. Controle de contas públicas, transparência de
gastos públicos, judiciário independente, polícia eficiente, redução das
desigualdades, imprensa livre e democracia consolidada através de eleições
regulares e do embate civilizado entre ideias opostas, constituem as alavancas
para o combate à corrupção. Em vários desses quesitos o Brasil avançou
enormemente, antes e também durante o governo atual.
A reforma ética de nossas instituições já está acontecendo há
décadas, desde a redemocratização do país. Ela está tornando nossa sociedade
mais capaz de combater a corrupção. Dizer que hoje existe mais corrupção é
outro grande equívoco, pois na ditadura militar pouco ou nada podia ser
denunciado e investigado, quanto mais punido. O combate à corrupção não
consegue avançar sem democracia e respeito aos ritos do direito. Atualmente,
Judiciário e Polícia Federal gozam de autonomia, recursos e liberdade nunca
vistos para investigar, indiciar e julgar. A imprensa nunca foi tão livre para
expor o que deseja.
As soluções e caminhos de transformação da sociedade são de
longo prazo, lentos e tortuosos, exigindo dedicação e atenção constantes da
sociedade e não apenas em momentos de crise política aguda. Quem ainda duvidar
de tudo o que escrevi, pense na política em Brumadinho e veja em quantas
"canoas furadas" já entramos, com políticos que prometiam moralizar a
prefeitura. Nunca a moralizaram efetivamente e ainda nos premiaram com
incompetência e má gestão.
Armindo dos Santos de Sousa Teodósio (Téo)
Professor do
Programa de Pós-Graduação em Administração da PUC Minas
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